Diversos

'Agro do Brasil assume protagonismo no mundo crescendo 420% na produtividade em 60 anos e aumento de apenas 47% da área', diz Tereza Cristina

Em entrevista ao Canal Rural, ministra fala sobre a importância do agronegócio na economia do país, sustentabilidade, desburocratização do acesso ao crédito rural, armazenagem, COP 26 e eleições em 2022

O programa Canal Rural Entrevista desta terça-feira, 31, recebeu a chefe do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Tereza Cristina. No comando da pasta desde o início do governo do presidente Bolsonaro, a ministra falou sobre o crédito rural, sustentabilidade na agropecuária, inflação dos alimentos e também sobre as eleições de 2022.

Confira na íntegra a entrevista exclusiva da ministra Tereza Cristina feita pelo diretor de conteúdo do Canal Rural, Giovani Ferreira, e pela repórter de Política em Brasília Paola Cuenca. 

Canal Rural – Produção de grãos próxima de 300 milhões de toneladas. Carnes com 28 milhões de toneladas. Receita cambial com potencial para US$ 120 bilhões. Tudo isso faz com que o agronegócio tenha uma participação decisiva no PIB, respondendo por mais de 30% do total. Podemos dizer que o agronegócio assume um protagonismo histórico no desenvolvimento econômico e social do país? 

Tereza Cristina – Com certeza. Mas assume [esse protagonismo] não por acaso. Assume isso depois de 60 anos de pesquisa, de inovação, de muito trabalho em que os produtores rurais hoje vem produzindo cada vez mais, uma alta produtividade, usando menos espaço. Então, nós temos aí o Brasil, nesses últimos 60 anos, crescendo 420% na produtividade e com um aumento de somente 47% da área. 

Canal Rural – A safra 2021/2022 começa com expectativa recorde de produção. Porém, já faltam recursos para investimentos. A gente sabe que o ministério pretende reorganizar os créditos entre as linhas de investimento para tentar fazer frente a essa situação. Como será essa redistribuição e quais linhas devem ter prioridade?

Tereza Cristina – Olha, o crédito oficial é sempre menor do que o que a gente gostaria que fosse, principalmente num ano fiscal difícil, com o orçamento apertado como o deste ano. Nós fizemos todo o esforço. Foram colocados R$ 13 bilhões para fazer a equalização dos juros, e esses recursos, hoje, já estão praticamente esgotados, principalmente no que se diz respeito aos investimentos, que é a maior demanda do setor. E com o crescimento da produção, com certeza, nós precisamos de mais investimentos em armazéns, onde nós tivemos aí um grande esforço, foram colocados mais de R$ 5 bilhões em linhas, [recursos] que não acabaram ainda, mas tende a acabar antes do final do ano.

Nós colocamos no Programa ABC que toda a área de sustentabilidade, recuperação de pastagens, introdução em áreas degradadas de agricultura que você precisa de investimentos para melhoria dos solos, recuperação desses solos, para que eles sejam colocados à disposição da agricultura e também de uma pecuária mais intensiva, menos extensiva, enfim, toda a parte de aves, que vem crescendo muito, suínos, então, parte aí das granjas, porque a agroindústria vem crescendo e tem que crescer na mesma proporção da produção. Nós gostaríamos de ter mais recursos, vamos alocando, nós estamos trabalhando olhando mês a mês como é que esses investimentos estão sendo tomados para que, se sobrar em algum lugar, eles possam ser realocados.

Agora, muito importante é dizer que o Ministério da Agricultura vem priorizando os pequenos agricultores, desde o primeiro dia que nós chegamos aqui no governo do presidente Bolsonaro, porque são eles que têm mais dificuldade em tomar esse crédito. [Para] Os grandes, hoje, nós fizemos a modernização do crédito rural, como novas ferramentas mais atrativas para que o mercado coloque recursos, mas os pequenos precisam dessa mão do Estado. E agora que a gente vem fazendo aqui desde o primeiro ano, e este ano, vocês puderam ver, que colocamos quase R$ 40 bilhões à disposição dos pequenos agricultores de todo o nosso país.

Canal Rural – Enquanto a busca por crédito é alta, há produtores que relatam dificuldades de acesso, devido à burocracia com documentos e entraves. O ministério tem algum plano em desenvolvimento com os bancos para facilitar esta tomada de crédito?

Tereza Cristina – Com certeza. O nosso Manual de Crédito Rural é antigo. Ele está sofrendo algumas modificações. Nós temos trabalhado junto aos bancos para diminuir essa burocracia. É claro que, quando você coloca dinheiro público, você tem vários órgãos públicos de controle que fazem a fiscalização do TCU [Tribunal de Contas da União] nesse crédito que é distribuído aos bancos. Então não dá para você, vamos dizer, deixar de ter alguma burocracia, mas nós estamos trabalhando para facilitar e para fazer com que esse crédito chegue mais rapidamente, e vou usar uma expressão um pouco vulgar: com menos penduricalhos.

Porque nós já temos o seguro rural obrigatório, temos o seguro rural privado, que vem crescendo muito que é importantíssimo, mas nós temos fiscalizado, fizemos convênios para que o produtor não tenha que comprar título de capitalização e outras coisas que encarecem o crédito e que tornam também isso mais demorado caso ele não tenha. Isso é proibido por lei. Nós temos trabalhado tanto na facilitação, na desburocratização e também nessa “venda casada”, para que ela não aconteça porque é ilegal. Para isso tem até um canal para você ligar e denunciar. 

Canal Rural – O Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA) tem sido tratado como prioridade neste Plano Safra. O volume disponível de crédito poderia ampliar a capacidade de armazenagem em mais 5 milhões de toneladas. Porém, isso não é suficiente para suprir o déficit no campo. Como a senhora acredita que o problema pode ser solucionado?

Tereza Cristina – [A solução é] O mercado livre colocar dinheiro, buscar recursos em outras linhas que não as oficiais. Agora, semana passada, nós tivemos um lançamento com o Banco do Brasil, que disponibilizou mais recursos próprios para empréstimo dessa linha tão importante. Eu tenho certeza que o mercado se regula. Grandes empresas que compram produtos como soja, milho, algodão, sorgo, também vendo a necessidade e a oportunidade, com certeza, irão investir. E eles têm outras instituições de onde também podem tomar, tem recursos de fora, tem fundos que podem alocar recursos também para fazer essa armazenagem.

Eu acho que nós estamos melhorando, quer dizer, temos muito ainda o que melhorar na infraestrutura. O governo vem apostando nisso. O ministro Tarcísio [de Freitas, da Infraestrutura] é um parceiraço nosso aqui, então, à medida que infraestrutura vai se estabelecendo através de ferrovias, através da hidrovia, através das rodovias, essas unidades armazenadoras vão se colocando nos lugares onde há demanda por armazenamento.

Nós estamos insistindo com o Banco do Brasil e no crédito oficial na demanda pelos armazéns dentro das propriedades. Porque, quando o produtor tem armazéns que são menores, mas ele pode reter a sua produção, vender na hora certa, sem colocar em armazéns gerais onde ele acaba pagando por esse serviço, e ele acaba vendendo às vezes antecipadamente. Essa é uma outra linha que o Ministério da Agricultura está trabalhando, principalmente, nos recursos do Plano Safra.

Canal Rural – A senhora mencionou a questão do mercado se regular, da tomada de crédito com recursos próprios dos bancos. Nesse sentido, tivemos recentemente a regulamentação dos Fundos de Investimento para o Setor Agropecuário (Fiagro), e, no ano passado, a Lei do Agro, que agora começa a entrar em prática. A senhora enxerga a entrada do mercado privado como algo realmente necessário? E como ficaria essa distribuição do crédito oficial e também do mercado privado para os produtores rurais?

Tereza Cristina – Nós trabalhamos todas essas ferramentas, não só a Lei do Agro, mas também o Fiagro, vamos dizer, foi gestado e discutido dentro do ministério. Para quê? Porque nós precisamos de mais alternativas. No passado, você tinha um engessamento em que só o crédito oficial, só o Plano Safra garantia esses recursos. Hoje, com essa flexibilização e com essas novas normativas, a ideia é essa mesmo, é atrair recursos do mercado de linhas próprias dos bancos mostrando que o agro é um bom negócio. Todo esse crescimento que nós vimos aí, com essas projeções de mais de 300 milhões de toneladas, se Deus quiser, para este ano ou já para o próximo ano com o aumento da safra, com todo esse crescimento nas proteínas de animais, de suínos e aves, todo esse crescimento, com certeza, mostra que é um bom negócio investir e colocar dinheiro no agro. Os bancos todos e o mercado de capitais colocam muitos recursos na área de habitação. Nós queremos concorrer com essa área, porque o agro brasileiro tem mostrado a sua capacidade de crescimento, a sua viabilidade. Com certeza, o mercado todo hoje olha com bons olhos e por isso veem esse crescimento de recursos não oficiais também para ajudar a estruturar esse crescimento da produção brasileira.

Canal Rural – Então, a tendência é que esse crédito oficial fique para os pequenos? 

Tereza Cristina – Com certeza. Essa era a nossa ideia desde o início. A pandemia atrapalhou um pouco, mas a ideia é que cada vez mais o crédito oficial sirva para financiar aqueles que têm mais dificuldades e que precisam de políticas públicas do governo chegando até eles. 

Canal Rural – Analisando a economia de forma mais ampla, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reduziu a projeção do PIB agropecuário para 2021 de 2,6% para 1,7%, o que deve deixar o crescimento de 2021 abaixo de 2020, ano de maior crise da pandemia. A senhora acredita que essa porcentagem pode melhorar, o cenário pode ser revertido ainda nos próximos meses? 

Tereza Cristina – Isso é uma estimativa. Eu acho que agora tem que acompanhar e vamos verificando ao longo [do tempo] se ela volta ao que estava ou se vai ficar entre a projeção atual e a passada. 

Canal Rural – No mês passado a senhora participou da Pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares, em Roma. Na pauta do Brasil, as iniciativas para combater a fome e promover a agricultura sustentável. Qual sua expectativa para a cúpula definitiva, em setembro, em especial, com relação à carta que será publicada pelo secretário-geral da ONU?

Tereza Cristina – Foi muito importante a participação não só do Brasil, mas de todos os países da América, porque tivemos o mesmo entendimento. Você não pode ter um sistema de produção, como hoje a Europa tem, completamente diferente do que nós, aqui das Américas, temos. O encurtamento das cadeias, você produzir muito próximo de onde você vai consumir, é importante? É. Mas nós não podemos ter um único modelo. Esse único modelo não serve para todo o mundo.

Então, foi colocada a nossa posição, principalmente dos países do Hemisfério Sul, principalmente em relação à pecuária, porque existem hoje algumas correntes querendo diminuir o consumo de carne. Enfim, nós temos que ter equilíbrio em tudo. Nós não somos nem a favor de um excesso de consumo, nem a mínimo. Nós temos que ter equilíbrio nas dietas de todos os continentes, e respeitando também a regionalização e a parte cultural de cada povo. 

Canal Rural – Ainda nesse contexto, em novembro acontece a COP 26 – 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na Escócia. Como o Mapa está se preparando para esse evento? Como o Brasil pretende ser visto e como deve se posicionar perante a comunidade internacional? Além disso, a senhora estará presente no evento?

Tereza Cristina – Vou começar pelo fim da pergunta. Eu não sei se poderemos estar presentes. Hoje, com o problema da pandemia, nós temos dificuldades quanto à acomodação em Glasgow [na Escócia], enfim, uma série de problemas de deslocamento e logística, mas com certeza, nós estaremos, ou aqui ou lá, porque o Brasil terá aqui um estúdio, outro lá, mostrando os cases. E o Ministério da Agricultura vai com certeza, e nós temos muito o que mostrar. O Brasil é um país que trabalha a sustentabilidade já há muito tempo, então nós temos aí cases de sucesso, nós temos a nossa agricultura tropicalizada, nós temos aí duas ou três safras na mesma área todos os anos, nós temos aí uma série de cases. Nós temos integração lavoura-pastagem-floresta, nós temos um Código Florestal para o agro muito robusto.

Apesar de a Europa também estar trabalhando na modificação de soluções da sua sustentabilidade, do seu meio ambiente, o Brasil já faz isso há muito tempo. E temos problemas. Hoje, a agricultura vai mostrar uma série de coisas, inclusive, eu vou dizer aqui para vocês em primeira mão: nós vamos lançar logo, logo, acho que daqui há um mês, um programa muito robusto e interessante, uma política pública fundamental para o agro, que são as Águas do Agro, que é a conservação e a preservação da água dentro das propriedades rurais, já que os produtores rurais tem quase 25% de toda a vegetação nativa dentro das suas propriedades. E agora nós vamos incentivar, colocar políticas, para preservação de água e solo também dentro das propriedades. 

Canal Rural – O agronegócio vive um bom momento no mercado internacional. A soja brasileira lidera de forma absoluta, e há também um protagonismo das carnes. O recente status de livre de febre aftosa sem vacinação conquistado por alguns estados vai impulsionar esse mercado?

Tereza Cristina – Eu acho que sim, principalmente nas carnes de suínos, que são as mais impactadas, por incrível que pareça, por esse status de livre da aftosa sem vacinação. O Paraná foi um dos estados que correu muito, fez muita força e conseguiu junto à OIE [Organização Mundial da Saúde Animal] esse status. Por quê? Porque tem grandes investimentos na área de suínos. E nós temos países que importam carne de suínos, e que são muito exigentes e que pagam melhor por essas carnes, que exigem esse status. No mercado de suínos, nós tínhamos só Santa Catarina [livre de aftosa sem vacinação] até agora, e hoje nós temos Rio Grande do Sul e Paraná, temos Rondônia, temos outros estados que também entraram nesse circuito com a carne bovina, que, com certeza, deverão agregar valor e atingir mercados mais exigentes. 

Canal Rural – Este ano a carne suína deve estabelecer um novo recorde de exportação. No ano passado, foram cerca de 900 mil toneladas, e agora há grandes chances de superar 1 milhão de toneladas de carne suína embarcadas. Só que existe uma “assombração”, que é a peste suína africana. Como o ministério tem olhado para isso e se preparado para essa situação? Há algum plano de prevenção?

Tereza Cristina – Com certeza. Faz parte aqui dos meus pesadelos. O Brasil é livre de peste suína africana e assim nós queremos continuar. Nós tivemos uma notícia preocupante que foi essa doença chegando aqui nas Américas através da República Dominicana, então, todas as nossas luzes vermelhas foram acessas e hoje nós temos um plano de contingência, de prevenção. O Brasil não tem peste suína africana. Não mudem aqui a minha fala. Mas nós fizemos um grande programa, e estamos fazendo fiscalizações, um pente-fino mesmo, nos portos, aeroportos e nas entradas que temos também via terrestre nas nossas fronteiras. 

Canal Rural – Existe alguma previsão para que outros estados brasileiros obtenham esse status de livre de febre aftosa sem vacinação?

Tereza Cristina – Sim. Já começamos. Nós temos aí o segundo bloco, que inclusive mais estados brasileiros estão nos pedindo para aderir. A Secretaria de Defesa Sanitária está trabalhando para desenvolver [o projeto] com esses outros estados que querem aderir. Mas isso leva no mínimo dois anos, porque tem todo um planejamento junto à OIE, que é no final quem te dá esse status. Já começaram, mas precisa toda uma adequação dos sistemas estaduais de defesa. O ministério cria o plano e depois vai lá fiscalizar e ver se está sendo executado. Mas quem trabalha isso na verdade são os estados que estão aí nesse programa. 

Canal Rural – É muito importante a iniciativa dos estados?

Tereza Cristina – Sim. Sem eles, nada acontece. Se não houver vontade política e um trabalho intenso das secretarias nessa área de defesa, o estado não consegue. Não adianta o ministério querer se não houver isso. É preciso uma parceria muito firme, muito sólida, para que isso aconteça, entre estado e União. 

Canal Rural – Enquanto no mercado externo nós temos indicadores positivos, no mercado interno a inflação dos alimentos é algo que preocupa atualmente. Qual é o trabalho que tem que ser feito para que o produtor, o agronegócio, não seja apontado como o vilão do aumento no preço dos alimentos?

Tereza Cristina – Eu costumo dizer o seguinte, que o papel do Ministério da Agricultura e o do produtor rural é produzir, e criar uma oferta maior. Você só tem preços menores se você tem uma oferta. A escassez traz preços altos, mas hoje o nosso problema no Brasil não é a escassez de produtos. Eu posso garantir, como eu disse lá no início da pandemia, que não vão faltar alimentos para os brasileiros. Mas nós temos aí hoje um mercado internacional muito ativo, muito importador de alimentos do mundo todo, e o Brasil é um desses países. Mas o nosso mercado interno está abastecido, e esse aumento da nossa produção mostra que nós vamos ter maior oferta, portanto, esses preços devem se equilibrar.

Aí tem outras variáveis como câmbio, que trazem esse aumento dos preços dos produtos. Mas a oferta continua alta e nós vamos, neste ano, se tivermos no período  de setembro a janeiro chuvas suficientes para essa produção, nós devemos ter, pelas estimativas, recordes. A safrinha é a nossa maior preocupação, porque este ano tivemos uma frustração. [Vamos] Torcer para que na safrinha também tenhamos aumento de área e uma produção alta, para poder fazer o abastecimento suficiente de grãos e quebrar essa barreira, se Deus quiser, dos 300 milhões [de toneladas]. Não é fácil, mas a gente torce. É possível, mas precisa dar tudo certo para a gente chegar nesse número recorde. 

Canal Rural – Nesse sentido, o ministério está tendo algum plano, conversando com o Ministério da Economia e até mesmo com o Palácio do Planalto, de alguma ação para tentar frear o aumento dos alimentos? Talvez redução da Tarifa Externa Comum (TEC), como foi feito no ano passado?

Tereza Cristina – Sim. A agricultura brasileira hoje é uma agricultura que senta na mesa dos grandes, porque com o tamanho da nossa produção, a gente trabalha nessa mesa aí dos grandes. Nós temos conversado direto com a Economia, com o Palácio [do Planalto], nas reuniões ministeriais, falando sobre esse assunto que é um assunto que preocupa o presidente da República. Vamos dizer, o produtor está bem, mas nós temos também que ter o consumidor, primeiramente, abastecido. Isso nós estamos fazendo, mas precisamos de um equilíbrio entre esses preços e renda. Na verdade, a retomada da economia, dos empregos, é que pode trazer também esse equilíbrio. Quanto mais gente empregada, quanto mais pessoas com renda, para poder comprar os alimentos e aí essa inflação, que não depende só dos alimentos, nós temos outras variáveis que têm aumentado a inflação, por exemplo, hoje infelizmente a conta de luz por essa grave crise hídrica que nós estamos vivendo, que independe da [nossa] vontade. Isso aí, infelizmente, tem trazido preocupação na inflação do Brasil.

Canal Rural – A crise hídrica deve ter reflexos no agro. Como o ministério vem monitorando isso? A hidrovia do Tietê-Paraná deve ser paralisada, mas existe também algum risco para a irrigação? 

Tereza Cristina – Nós temos acompanhado isso também muito de perto. Eu faço parte do comitê que cuida da crise hídrica. O Ministério da Agricultura faz parte e tem se reunido semanalmente. Nós temos monitorado todo esse problema meteorológico muito de perto. Nós temos o Inmet [Instituto Nacional de Meteorologia] fazendo previsões, estimativas, sobre chuvas. Enfim, é preocupante. A irrigação realmente é o que mais sofre, que pode sofrer. A Agência Nacional de Águas (ANA) tem, por enquanto, previsões de que o problema hoje é mais na produção energética do que nas irrigações. Você tem alguns lugares em que as pessoas já estão trabalhando para irrigar de maneira mais pontual, mais fracionada, para poder utilizar essa água, porque todo mundo sabe que nós estamos vivendo um momento de seca.

Mas, na agricultura, na grande maioria da nossa produção, é feita dependendo das chuvas. Então, não é um problema que atinge toda a agricultura, mas um setor que irriga principalmente algumas culturas como o feijão. Tem muita coisa irrigada, nós temos as hortaliças, nós temos fruta, nos preocupa as culturas semi perenes como café, frutas, que nós temos aí algumas áreas que são irrigadas e que dependem disso para produzir. Então, tem um sinal amarelo e tá todo mundo trabalhando da melhor forma possível para utilizar também essa água nas horas certas e em quantidades suficientes, mas não sem, vamos dizer, uma conscientização que já existe, que nós vamos precisar economizar água. 

Canal Rural – O STF iniciou o julgamento sobre a questão das demarcações de terras indígenas. O tema gera preocupação aos produtores rurais, principalmente no aspecto de possível mudança do marco temporal. Qual sua avaliação sobre uma possível insegurança jurídica que uma mudança possa trazer para os proprietários de terras?   

Tereza Cristina – [A preocupação é] Muito grande, porque se esse marco de 1988, que está na Constituição, não for reafirmado, é uma coisa que trará, já está trazendo, uma grande insegurança para o campo. Eu espero que o Supremo [Tribunal Federal] as pessoas que estão lá, que conhecem tanto a parte jurídica quanto a parte econômica, que tudo isso seja colocado na hora da votação, e eu espero que o bom senso prevaleça. 

Canal Rural – O ministério criou o projeto de lei que institui o autocontrole sanitário para a defesa agropecuária. O relator na Comissão de Agricultura da Câmara, deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), apresentou um substitutivo com algumas mudanças. Diante dessa mudanças, quais são as expectativas de como deve ficar essa questão do autocontrole e da fiscalização?

Tereza Cristina – O autocontrole é uma evolução. O Brasil hoje, com todo esse crescimento que nós acabamos de falar aqui, 27% das proteínas, principalmente as proteínas, ele é para tudo. São 19 segmentos e produtos que serão feitos através do autocontrole. Porque, quando se fala em autocontrole, você lembra logo de frigoríficos. Não são só frigoríficos. Mas é uma evolução. Nós não temos pernas para fazer toda essa fiscalização, e o que o ministério vai fazer é o que ele tem excelência, que é fazer a auditoria dos protocolos e dos processos que as empresas vão colocar.

Se eu sou uma empresa que exporto ou que faço um mercado específico ou faço mercado só interno, eu tenho lá um protocolo. Eu faço esse protocolo e o que o ministério vai fazer? Eu tenho lá os veterinários, a equipe interna para fazer essa fiscalização e esse acompanhamento, e o ministério vai lá auditar, ver se realmente o que aquele protocolo diz a empresa está fazendo. E outra coisa: quem é o dono da marca é que tem que cuidar e zelar pelo seu nome. Então, se a marca tem um nome e ela quer permanecer no mercado, vai ter que ter excelência nos seus protocolos.

Toda mudança cria algumas reações. Eu não vi ainda o relatório final do deputado Domingos Sávio, mas eu sei que de vez em quando ele tem conversado com o pessoal da Defesa [Secretaria da Defesa Agropecuária]. Isso é uma iniciativa do governo federal, do Ministério da Agricultura, porém o Congresso está discutindo, debatendo, fez várias audiências públicas com os diversos setores para aprimorar esse projeto de lei do autocontrole, e eu espero que ele passe rapidamente, porque eu acho que é um avanço para o setor privado, o setor que produz no nosso país. E o ministério vai ter mais tempo para fazer essa fiscalização e esse acompanhamento. 

Canal Rural – A senhora mencionou que deve deixar o ministério em abril de 2022 para voltar a atenção ao processo eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro disse ao Canal Rural que a senhora é quem deve indicar o sucessor. Já está definido quem será? A senhora deve concorrer para qual cargo em 2022?

Tereza Cristina – Eu sou deputada federal. Estou licenciada aqui no Ministério da Agricultura. Portanto, o meu caminho é voltar, e como a legislação prevê, eu tenho que sair do ministério até o dia 30 de março. Dia 2 de abril é o prazo final. Éé claro que eu vou deixar o ministério para voltar para a minha carreira política para concorrer a algum cargo no meu estado. Nós estamos lá debatendo [a qual cargo concorrerá], ou deputada federal ou ao Senado, enfim, alguma coisa por aí. Mas, sobre esse assunto, eu fui pega de surpresa pelo presidente. Vou conversar com ele em breve sobre isso. Não é ainda um assunto que está em cima da nossa mesa aqui e da nossa pauta. 

Canal Rural – Nesses próximos meses, qual a mudança ou projeto que a senhora gostaria de ver implementado nessa etapa final da sua gestão frente ao Ministério da Agricultura?

Tereza Cristina – Olha, tem muita coisa em andamento. Eu acho que a gente não tem aqui que inventar mais nada. Nós temos que concluir todos os processos que foram iniciados nesses dois anos e meio em que estou à frente desta pasta. Eu gostaria de ver toda a parte de inteligência estratégica, o monitoramento de preços, as previsões, o planejamento para 2030 e 2050 do que é que vai ser a nossa agricultura e pecuária, tudo isso pronto. Eu também gostaria de ver Águas do Agro lançado e deixar isso como uma política pública, o autocontrole, enfim, tudo aquilo que a gente plantou, a melhoria do crédito. Temos aí algum tempo para trabalhar um pouco mais algumas coisas que da medida provisória da Lei do Agro precisam ainda de alguns ajustes. Eu acho que nós temos que terminar esse legado.

E também, uma grande preocupação minha, é regularização fundiária. Entregar os títulos definitivos, que foi uma das missões que o presidente me deu e que eu gostaria muito de poder [concluir]. Neste ano temos orçamento para isso, poder caminhar e entregar títulos definitivos por todo o Brasil, não só na região Norte, mas [também] na região Nordeste, na região Centro-Oeste, enfim, onde nós tivermos títulos definitivos que possam ser entregues, e também arrumar os assentamentos, que ainda temos aí muitos para entregar água. Enfim, é um processo longo mas que eu gostaria muito de ver concluído através do nosso Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária].