Com o fim do Carnaval, as atenções se voltam ao Congresso Nacional, onde as comissões da Câmara iniciam os trabalhos de análise do texto da reforma da Previdência. A expectativa do governo é que o texto seja votado ainda no primeiro semestre de 2019, mas vários pontos da proposta, principalmente os que dizem respeito ao trabalhador rural, que prometem causar discussões entre a base aliada e a oposição.
O Canal Rural entrevistou o novo secretário da Previdência, Leonardo Rolim, para esclarecer as principais dúvidas do setor em relação às mudanças na aposentadoria rural, tempo de contribuição, idade mínima, forma de comprovação da atividade e fim de isenções previdenciárias para exportações.
Canal Rural – O ponto mais discutido pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) foi a isenção previdenciária para exportadores. Queria que explicasse como funciona hoje e qual é a proposta da reforma
Leonardo Rolim –Em primeiro lugar, não é só a agricultura que tem a isenção na exportação. Existem vários setores, principalmente agricultura e indústria, que têm contribuição previdenciária sobre o faturamento e não sobre a folha. Todos esses setores que têm contribuição sobre o faturamento quando exportam têm isenção da contribuição previdenciária. Ou seja, só contribuem quando vendem no Brasil. O que a nova Previdência está fazendo é acabar com qualquer isenção à exportação da contribuição previdenciária. Por quê? Ao fazer isso, a gente está dizendo que aquele trabalhador não está tendo uma contribuição adequada. Você não está exportando tributo ao cobrar uma contribuição na exportação da Previdência, mas sim garantindo que a aposentadoria dos empregados daquela empresa não está sendo subsidiada pelo restante da sociedade.
CR – Como funcionam as taxas hoje? Quem paga sobre a folha de pagamento recolhe uma taxa de 20%; como é para o urbano, tanto para quem exporta quanto para quem não exporta? E qual é a taxa?
Rolim – Para os demais setores que contribuem sobre a folha, a regra é a mesma: 20% de contribuição previdenciária mais o seguro acidente de trabalho, que varia de acordo com o risco do setor e a acidentalidade de empresa. Isso continua do mesmo jeito, porque o objetivo é igualar todos os setores. Não é via contribuição previdenciária que vai se incentivar exportação.
Para o rural, quem contribui sobre o faturamento não muda nada, continua para as empresas 1,7% para contribuição previdenciária mais 0,1% de acidente de trabalho e, para pessoas físicas, 1,2% mais 0,1% de seguro acidente de trabalho.
CR – Quem exportava era isento e agora pela proposta, se for aprovada, passa a contribuir?
Rolim – Exatamente. No caso da exportação, não há mais isenção. Ele continua pagando a mesma alíquota que paga quando vende no Brasil.
CR – De quanto é o gasto do governo hoje com essa isenção?
Rolim – Na área rural, é algo em torno de R$ 7 bilhões; na área urbana o valor é bem maior. É todo um subsídio que se tinha na Previdência e está buscando se retirar. Porque a Previdência já é deficitária, então nós buscamos torná-la equilibrada. Como já foi dito antes, não é exportar tributo, mas sim eliminar subsídio à Previdência.
CR – O que levou a decidir sobre a igualdade na idade de aposentadoria para homens e mulheres? Por que a idade ficou a mesma para ambos?
Rolim – A atividade rural é atividade especial, todos reconhecem a importância e o fato de ser uma atividade desgastante. Por isso ela tem um tratamento diferenciado em relação à idade. Buscando ter uma coerência e inclusive comparando com o que acontece no resto do mundo, todas as atividades especiais têm regra diferenciada pela atividade em si e não pelo gênero. Nós colocamos idades iguais para todas aquelas que têm aposentadorias diferenciadas. É assim com o rural, com o professor, o mineiro de subsolo, com o gari, com o policial; não há diferença de gênero, mas sim pela atividade. É a atividade rural que gera a diferença, e não o gênero.
CR– Mesmo assim, quem defende idade menor para a mulher em relação ao homem fala que ela tem jornada dupla, tripla, é mais sofrida que funcionária urbana. É um ponto maleável que pode ser negociado no Congresso? O que vcs prevêem quanto a isso? Vai ter resistência e essa idade pode cair ou o tempo de transição diminuir quanto a isso?
Rolim – A mulher rural vai continuar se aposentando antes da mulher urbana em função da atividade rural ser mais desgastante. Quanto à possibilidade de mudar, o Congresso tem total autonomia, isso faz parte da divisão de Poderes. Cabe ao Congresso decidir qual o modelo mais adequado em relação às regras previdenciárias. Mas entendemos que se for feita uma modificação vamos perder a coerência que é uma premissa da nova Previdência.
CR – Qual o rombo da Previdência rural? Quanto ela arrecada e quanto o governo gastou com isso em 2018? Há expectativa de atingir um equilíbrio com a proposta de mais idade e maior tempo de contribuição?
Rolim – O déficit da Previdência rural no ano passado ficou em torno de R$ 113 bilhões. Em números redondos, uma arrecadação perto de R$ 10 bilhões e uma despesa de R$ 123 bilhões. Não é objetivo da nova Previdência tornar a Previdência rural equilibrada. O trabalhador rural é muito importante para o país, por gerar alimentos para a população brasileira, e a Previdência rural sempre vai ser subsidiada. O que nós buscamos é em primeiro lugar reduzir as fraudes, separar o joio do trigo, não permitir que pessoas que não são trabalhadores rurais usem uma regra diferenciada para se aposentar mais cedo e com menos contribuição. Em segundo lugar, separar previdência de assistência, dar o mínimo de contributividade para a Previdência rural. Embora vá continuar sendo subsidiada, porque merece e deve ser subsidiada.
CR – Esse combate às fraudes está na MP 871? Como vai funcionar?
Rolim – A primeira parte das mudanças veio na medida provisória de combate às fraudes, a MP 871. Lá nós já mudamos a forma de reconhecimento da atividade rural. A primeira medida é separar Estado de sindicato. O Brasil vem desde a década de 1930 com a relação promíscua entre Estado e sindicato. Aos poucos a gente está acabando (com isso). Acho que a última parte que ainda persistia era referente ao reconhecimento da atividade rural. Não cabe ao sindicato reconhecer atividade rural, isso é função do Estado. Sindicato tem que proteger a categoria, tem que garantir melhores condições de trabalho na área rural e não reconhecer tempo previdenciário. Com isso, nós entendemos que vamos facilitar a vida do verdadeiro trabalhador rural. Ele vai fazer uma autodeclaração do tempo rural, tanto do período anterior a 2019 quanto do período a partir de 2020. Sendo que a partir de 2020 ele vai fazer uma declaração anual no nosso Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS). Essa é primeira parte. A segunda parte está na PEC da nova Previdência, que estabelece regra sobre a contribuição e também sobre a idade da aposentadoria rural.
CR – Sobre o tempo de contribuição, empregador passa de 15 para 20 anos, para o segurado especial também. Mas para quem não atingir um mínimo de R$ 600 ele vai ter que pagar. Como chegaram a esse número? Foi considerado que em algumas regiões do país, como o Nordeste, isso pode pesar um pouco?
Rolim – Todo tempo anterior, até 2019, não precisa ter contribuição. Aquelas pessoas que vão se aposentar nas duas próximas décadas já têm os 20 anos necessários. Vão precisar apenas da autodeclaração e chegar na idade para ter o direito à aposentadoria rural. Então você não vai exigir dessas pessoas que vão se aposentar nos próximos anos um tempo adicional. A regra é muito mais daqui para frente. Quem mais vai ser afetado são os novos trabalhadores rurais. Quanto ao valor de R$ 600 por ano, que equivale a R$ 50 por mês por grupo familiar inteiro – considerando família de quatro pessoas: pai, mãe e dois filhos –, a gente está falando de R$ 12,50 por mês por pessoa. Não é um número tão elevado. E como vai ser isso? Ele vai contribuir sobre a comercialização como a gente já falou anteriormente. O que faltar ele complementa ao longo do ano. Fechou o ano inteiro e ele não chegou a R$ 600 da contribuição do grupo familiar, ele complementa. Se ele não complementar, não vai deixar de ser reconhecido como agricultor familiar. É bom deixar claro. Mais uma vez, R$ 12,50 por mês, na maioria dos casos, é menos do que ele paga para o sindicato. Não é contribuição tão elevada. É muito menor do que qualquer contribuição urbana, mas você vai tornar o sistema contributivo, ainda que subsidiado, porque vai separar previdência de assistência. Aquele que não contribui não vai ficar desamparado, vai receber o benefício assistencial. Essa é a lógica de tornar a previdência contributiva, eliminar fraudes e separar o verdadeiro trabalhador rural daquele esperto que se beneficia de um sistema diferenciado voltado para proteger aqueles que produzem alimentos para os brasileiros.
CR – Quem ultrapassa o valor dos R$ 600 contribuindo sobre a comercialização de 1,2% ou 1,7% não vai ser ressarcido?
Rolim – Não, se ele pagou a mais, dependendo do quanto ele pagou a mais, pode inclusive receber o benefício maior que o do salário mínimo, mas ele não vai ter ressarcimento.
CR – Simulando uma situação para um produtor que está perto de se aposentar, como ficam as regras de transição? Quando ele deve se aposentar e para a mulher também, com mudança de 55 para 60 anos?
Rolim – Em relação à mulher, nao passa de 55 para 60 de um dia para o outro. Vai ser ao longo de 10 anos, vai aumentar seis meses por ano. No primeiro ano, passa de 55 anos para 55 e seis meses. Depois de dois anos, para 56 e assim sucessivamente. Aquela mulher que está próxima de completar os 55 anos de idade não vai passar para 60, dependendo do tempo que falta para algo entre 55 e 60 anmos. Isso é importante. Quanto à exigência de 20 anos, da mesma forma. Hoje é 15 anos, vai passar para 20 anos ao longo de 10 anos, aumentando seis meses por ano. Lembrando que todo tempo anterior que ele tem ele vai poder contar. Como a maioria deles nasceu no campo e estão trabalhando no campo desde muito jovens, todos eles têm muito mais do que 20 anos. Era exigido 15, mas a maioria tem 30, 40 anos ou até mais do que isso de tempo de atividade rural. O tempo de atividade eu considero que não vai ser problema para ninguém se aposentar nos próximos anos. A aposentadoria rural vai ter alteração muito pequena nos próximos anos, seguramente de todos os setores é o menos afetado pela nova Previdência. Porque a premissa é essa: quem tem mais entra com mais, quem tem menos entra com menos. E a Previdência rural a gente sabe que é o setor que tem menos a contribuir e mais a trazer para o brasileiro. Por isso nós tivemos muito cuidado para afetar o mínimo o trabalhador rural.
CR – O partido Democratas (DEM) deixou claro que nem inicia conversa se não houver mudança na regra do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da aposentadoria rural. Como o governo enfrenta essas primeiras reações? Há pontos mais sensíveis que podem sofrer alguma alteração?
Rolim – Primeiro a gente precisa explicar melhor para as pessoas entenderem. Houve alguma má interpretação tanto em relação ao BPC quanto em relação à Previdência rural. Muita gente ficou achando que ia exigir de imediato 20 anos de contribuição para o trabalhador rural. E, como expliquei, para quem vai se aposentar nas próximas décadas, não tem praticamente nenhuma mudança. Acho que é questão de conversar com os parlamentares, explicar o que é a nova Previdência, e acreditamos que depois que as pessoas entenderem melhor a lógica vão mudar essa impressão inicial que ficou muitas vezes por não ter entendido melhor qual é a ideia, qual é o processo que está sendo proposto.