JUSTIÇA

STF retoma julgamento do marco temporal nesta quarta-feira

Setor produtivo de Santa Catarina é unânime na defesa da tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas

Nesta quarta-feira (7), o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma julgamento que avalia a legalidade da tese do marco temporal, ou seja se a data de promulgação da Constituição pode ser usada como parâmetro para definir as demarcações de terras dos povos tradicionais.

Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base do Projeto de Lei 490/07, que prevê que os povos indígenas e tradicionais terão direito somente às terras que ocuparam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. O texto vai agora pela análise do Senado, que pode manter o marco temporal ou não.

O processo que motivou o julgamento na Corte trata da disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte da TI é questionada pela procuradoria do estado.

O placar do julgamento está empatado em 1 a 1: o ministro Edson Fachin votou contra a tese do marco temporal, e Nunes Marques se manifestou a favor.

A análise foi suspensa em setembro de 2021 após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.

A decisão do Supremo não valerá apenas para esse território, mas para todos os casos relacionados a disputas envolvendo áreas indígenas.

Setor produtivo de Santa Catarina defende tese do marco temporal

O setor produtivo de Santa Catarina alerta para a insegurança jurídica que a derrubada da tese poderá causar não só em Santa Catarina, mas em todo o território nacional.

Prefeitos de três cidades que serão afetadas caso o marco temporal seja derrubado demonstraram preocupação com o futuro de seus municípios.

Eduardo Freccia, de Palhoça, disse que uma eventual demarcação de terras indígenas ocupará boa parte do território local. “A comunidade da Enseada de Brito, que comemorou no fim de semana 273 anos, está ameaçada de ser despejada. São famílias que possuem toda a documentação de seus terrenos.”

Nos casos de Cunha Porã e Saudades, a preocupação é ainda maior. Em 2007, portaria da União declarou a posse permanente de 2,7 mil hectares de terra ao grupo guarani Nhandéva-Chiripá, impactando 153 famílias em 214 propriedades pequenas, com média de 15 hectares, cada.

“Nasci e cresci em Cunha Porã. Nunca vi índio lá”, afirmou a prefeita de Cunha Porã, Luzia Vacarin. “Temos famílias com escrituras de 100 anos. Fomos convidados pelo governo no passado a colonizar a região e esse mesmo governo quer tirar nosso direito à propriedade.”

“É uma situação injusta. Não tinha índio lá em 1988”, disse o prefeito de Saudades, Maciel Schneider. “Só no nosso município, são 7% do território. Essas terras são dos nossos produtores, que estão lá há gerações.”

O presidente do Movimento do Defesa da Propriedade e Dignidade (DPD), Nilson Immich, que é agricultor em Cunha Porã, afirmou que a portaria da 2007 tem prejudicado as famílias. “Não podemos ter acesso a financiamento, fazer inventário, muitos investimentos não são feitos, porque as terras não são aceitas como garantia”, disse. “No marco temporal, não se mexe, está na constituição. Se isso mudar, uma desgraça vai ocorrer em nossa região.”

O procurador-geral do Estado, Márcio Vicari, afirmou que o marco temporal é uma tese que já foi pacificada pelo STF em mais de uma ocasião. Segundo ele, o governo estadual está dedicado a defender os agricultores catarinenses. “Não se pode tratar Santa Catarina como outras regiões do país, é uma situação diferenciada”, disse. “Aqui não temos latifúndios, qualquer demarcação atinge centenas de famílias.”

O senador Jorge Seif (PL) disse que a derrubada do marco temporal seria “arbitrariedade, retrocesso e desrespeito não apenas com os catarinenses, mas com todos os brasileiros”. Para Seif, não se trata de retirar direitos dos povos indígenas, “mas não podemos permitir que um absurdo desses [a derrubada do marco temporal] aconteça”.

O secretário de Estado da Agricultura, Valdir Colatto, disse que a derrubada do marco temporal seria uma “reforma agrária ao inverso”. Para ele, o problema dos povos indígenas, “não é terra, é cidadania e integração”.

Colatto adiantou que ao estado está concluindo um levantamento dos bens das áreas que podem ser demarcadas, visando ao pagamento de eventuais indenizações aos proprietários. “Os agricultores não querem deixar suas terras, mas se isso acontecer, alguém tem que pagar essa conta.”