Revoltados com a acusação de serem responsáveis pelos incêndios dentro do Pantanal, pecuaristas abrem a porteira para mostrar que também são vítimas. O setor aponta a atual legislação ambiental estadual imposta dentro do bioma como a principal causa da tragédia ecológica e econômica.
A atividade da pecuária no Pantanal existe há mais de 300 anos. Na década de 1940, mais de 80% do rebanho bovino do estado de Mato Grosso se concentrava no território dos municípios do bioma. De lá para cá, no entanto, alguns fatores mudaram essa característica e isso deixou de ser uma realidade. Atualmente, menos de 400 mil animais ocupam essas áreas.
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“É um berço ainda de cria, mas nós temos índices zootécnicos muito inferiores ao restante do estado porque o bioma ele proíbe a adoção de grandes tecnologias”, disse Daniela Bueno, diretora-executiva da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat).
Essa mudança na região foi vivenciada pelo pecuaristas Ricardo Arruda, que explica como a pecuária na região foi se modificando. “Com o passar dos anos isso foi acontecendo. O gado foi subindo para as áreas de Cerrado e, depois, começou a ocupar as áreas de floresta. A ocupação do bioma floresta é uma realidade, mas foi deixando o Pantanal. Quando olhamos os municípios que compõem o bioma Pantanal, esse rebanho vem crescendo ou mesmo com tendência de uma leve estagnação, mas quando fazemos um recorte e olhamos única e exclusivamente dentro desses municípios, para áreas que são Pantanal de fato, menos de 15% desse rebanho desses municípios está nessas áreas de Pantanal”.
A indignação dos pecuaristas pantaneiros é com o rigor da atual legislação ambiental estadual vigente há 12 anos. Segundo o setor produtivo, isso impossibilita o manejo das áreas e um dos resultados é a existência de muitas propriedades abandonadas ou abaixo da sua capacidade de produção.
“Teve uma época que não podia nem criar o gado. Agora, pode criar o gado, mas você não pode limpar o pasto, você não pode usar o fogo controlado, você não pode formar pastagem naquelas áreas ruins. Então, essas áreas só vão acumulando matéria-orgânica, e essa matéria-orgânica é altamente inflamável, pegando fogo com muita facilidade, e você não tem controle dele. O Pantanal é um bioma diferente! Não se pode trazer leis de outros biomas e querer colocar aqui como foi colocado, então isso é incompatível para a nossa realidade. Em 1940, 1950 e 1960, era ‘povoado’ de gado. Hoje, o Pantanal está deserto e o homem pantaneiro está indo embora”, desabafou o pecuarista Cristóvão Afonso da Silva.
A nossa equipe visitou a região e acompanhou de perto algumas das propriedades abandonadas. O cenário é desolador, com muitos obstáculos, dificuldade de acesso e vegetação seca. Alvo fácil para a propagação do fogo
“A ausência do proprietário nos dificulta porque, nós bombeiros e toda a operação, necessitamos do apoio também dos fazendeiros em uma área privada. Eles têm corresponsabilidade de evitar que os incêndios avancem nas suas propriedades. Se possível, apoiar-nos com equipamento, logística e mão de obra para, de forma integrada, poder conter esses incêndios que ocorrem no bioma Pantanal”, ressaltou o tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Jean Oliveira.
Já quem não consegue fazer a limpeza por causa da legislação está preocupado e indignado com o excesso de rigor ambiental.
“O Pantanal é tido como uma área de uso restrito. E o que é uso restrito? O que se pode fazer em uma área de uso restrito? Uso restrito não é uso impeditivo, então a gente precisa ter como saber o que, como fazer e para que fazer um manejo, para que a gente possa explorar de forma sustentável o bioma Pantanal. O Pantanal é o bioma mais preservado do Brasil e 95% das áreas no bioma Pantanal estão nas propriedades particulares. O pecuarista é o maior responsável pela preservação do Pantanal. São gerações e gerações de famílias que, infelizmente, estão convidadas a se retirar com um discurso único e exclusivamente ambientalista, preservacionista, sem olhar o homem pantaneiro, sem olhar a produção pantaneira, sem respeitar tudo o que já foi feito ali, por esse homem, pelo boi e pelo cavalo pantaneiro”, disse Ricardo Arruda, também pecuarista.
Breno Dorileo também é um guardião do meio ambiente que resiste à rígida legislação imposta dentro do bioma. Com muita dificuldade, tenta manter a atividade da cria extensiva, herdada do avô. O rebanho de 2.000 cabeças de gado espalhados pelos 9.000 hectares dividem o mesmo espaço com aves e animais silvestres em total simbiose. O boi bombeiro, como é chamado, também é responsável por eliminar o acúmulo de massa orgânica das áreas de pastagens e evitar risco de incêndios durante o período de seca.
“Melhor vocês verem isso na prática. O pasto bem manejado, baixo e que não tem o perigo de incêndio. É isso que é o Pantanal e é isso que queremos resgatar para o Pantanal: o boi pastando, mantendo baixa a vegetação, conservando a biodiversidade dentro dela. Mas essas leis duras que foram impostas ultimamente quebraram a maior parte das fazendas. Difícil você achar uma fazenda como está essa aqui, com o gado com o pastejo razoavelmente bem colocado. A maioria das fazendas é totalmente diferente. Você tenta fazer tudo como manda a lei, mas fica impossível você manter a fazenda limpa sob controle. Se não fosse a paixão, eu já tinha abandonado, porque o lucro é pouco. A verdade é que o lucro é quase zero. Se não mudar as leis, não sei se o meus filhos vão dar continuidade, se não acontecer nada acho difícil”, diz Breno Dorileo.
Daniela Bueno, da Acrimat, explica que a região precisa de políticas públicas para a pecuária voltar ao Pantanal. “Nós temos estudos que mostram que ela precisa estar lá. Esse boi fazendo esse pastoreio diminui consideravelmente essa matéria-orgânica que serve de combustível, e estas propriedades que estão abandonadas, sem dúvida alguma, aumentam ainda mais os risco de incêndio”.
Esse tema é conversado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso e, segundo a titular da pasta, Mauren Lazaretti, é possível que alguma mudança na legislação ocorra. ”Reconhecemos a necessidade de avaliar essa legislação, tanto que desde 2009 nós já vínhamos discutindo com o setor produtivo e com a Assembleia Legislativa um grupo de trabalho para tratar da temática, tanto que já alinhamos com a Embrapa, Sema e Assembleia um termo de convênio e um plano de trabalho para que a gente consiga rever dentro do reconhecimento científico essa legislação”, disse.
Segundo a secretária, não é apenas a política pública que vai solucionar o problema das queimadas na região. “Temos, de fato, de considerar o comportamento climático. O nosso desafio agora é, a partir deste cenário do conhecimento que nós temos desses eventos e desses fenômenos, estabelecer as medidas emergenciais a médio e longo prazo, para que esse cenário possa ser controlado. Se isso demandar trazer legislação nova, nós faremos, considerando o conhecimento científico e também o conhecimento do pantaneiro. Além disso, precisamos fortalecer as estruturas da região para que combate do próximo ano, que já se mostra inevitável, possa ser realizado com maior eficiência”, finalizou.