Somos grandes apreciadores de cerveja: ocupamos o terceiro lugar entre os maiores consumidores da bebida no mundo. Mas, se você acredita que toda a cevada vai parar na cerveja, está muito enganado. Apenas 16% da cevada produzida no mundo é empregada na produção de malte para as bebidas alcoólicas e não alcoólicas. Enquanto cerca de 70% da produção global de cevada é destinada à ração animal e 14% é usada como ingrediente em diferentes produtos alimentícios.
A cevada é o cereal mais adaptado às diversas condições ambientais do mundo e é mais tolerante ao estresse do que o seu parente próximo, o trigo. A produção do cereal pode ocorrer em latitudes e altitudes mais elevadas e nas regiões de climas extremos, como do Himalaia, Etiópia e Marrocos, onde continua sendo uma importante fonte de alimento.
Se no passado nossos ancestrais consumiam a cevada apenas como forma de obtenção de energia, com o avanço da ciência, esse alimento passou a ser valorizado por suas propriedades nutricionais. Desde 2006, o Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano que regulamenta alimentos e medicamentos, reconhece que produtos contendo cevada reduzem os riscos de doenças do coração.
A análise da composição dos grãos da cevada revela a existência de carboidratos complexos, aminoácidos, minerais, vitaminas, especialmente vitamina E e outros antioxidantes, incluindo os polifenóis. Além disso, os grãos são ricos em fibras, representadas em grande parte pelas fibras solúveis denominadas beta-glucanos.
São especialmente os beta-glucanos que fazem da cevada um produto tão especial sob o ponto de vista da saúde. Diversos estudos têm mostrado que esses polissacarídeos podem reduzir o risco de doenças relacionadas aos nossos hábitos alimentares, como diabetes tipo II, doença cardiovascular, câncer colorretal e diverticulites.
As pesquisas avaliaram os cereais na sua forma mais utilizada na alimentação humana, ou seja, como farinhas. A comparação entre as farinhas mostrou que a de cevada contém os níveis mais elevados de beta-glucanos, podendo chegar a 20%, enquanto na farinha de trigo o conteúdo de beta-glucanos não passa de 2,3%.
Por isso, existe uma tendência em se utilizar a cevada como substituto parcial ou integral de cereais, como trigo, arroz e milho. Os potenciais benefícios para a saúde do aumento dos níveis de beta-glucano em produtos à base de trigo, como pão, massas e biscoitos já foram demonstrados em diversos estudos usando frações adicionais de cevada para elevar o teor de beta-glucano dos produtos.
No entanto, as características sensoriais da cevada nos alimentos não agradam ao paladar da maioria dos consumidores acostumados com outros tipos de farinha. Observou-se que a adição de 40% de cevada na receita do pão provocou grande rejeição por conta da cor, textura, sabor e aroma. Já na proporção de 20%, o consumo foi bastante aceitável entre os participantes dos estudos, o que tem resultado na produção de massas e pães enriquecidos com esse nutriente.
Quem diria que o alimento dos gladiadores poderia voltar com tudo para as nossas mesas? Isso mesmo, a cevada que tanto associamos à cerveja, pode ser usada como alimento funcional e estar presente nas dietas mais saudáveis.
Bibliografia consultada
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