A transição do modelo atual de inspeção sanitária de carnes, produtos vegetais e insumos para os sistemas de autocontrole deve avançar mais uma etapa em 2020. Essa é a promessa do governo, que prepara uma medida provisória ou projeto de lei com as regras de como esse modelo vai funcionar no Brasil.
O tema já vem sendo tratado pelo Ministério da Agricultura desde o ano passado, quando o órgão iniciou um programa-teste de autocontrole em algumas agroindústrias, que ficaram responsáveis por monitorar os processos de produção e o governo, por fiscalizar o produto final. Para debater o tema, o programa Direto ao Ponto entrevistou o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), Christiano Lobo, e o diretor do Departamento de Estudos e Prospecção da Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Luís Eduardo Rangel.
A ideia é que as empresas ampliem suas responsabilidades no controle de qualidade do processo produtivo, para que o governo possa fiscalizar o produto final que chega até os consumidores ou até mesmo os insumos que serão usados pelos produtores rurais nas lavouras. Com isso, não haveria mais a inspeção diária, como ocorre atualmente. A medida provisória deve abranger todas as cadeias produtivas, como as de animais e vegetais, incluindo sementes, agrotóxicos e ração animal.
De acordo com Rangel, os setores de pescados e de mel são considerados de menor risco do que os de bovinos e aves, que exigem a inspeção com a presença de fiscais dentro dos frigoríficos. “O setor se organiza em termos dos seus processos, criam protocolos que são auditáveis e permite, em função dos riscos, que as atividades têm, que elas funcionem de uma maneira mais livre, mais dinâmica”, disse o representante do Ministério da Agricultura.
O dirigente da Abipesca é favorável à implantação do autocontrole no Brasil, medida que considera uma evolução natural dos avanços tecnológicos no processo produtivo e na capacidade da agroindústria de assumir essas novas responsabilidades no monitoramento do seu produto. “O autocontrole não é novidade para ninguém. Novidade é o Estado entender que é uma medida mais eficiente para ele coordenar os seus próprios recursos. Eu tenho responsabilidade daquilo que eu produzo e entrego à sociedade, dentro de requisitos e pontos críticos de controle”, defendeu Christiano Lobo.
Ele acrescenta que o atual modelo de inspeção está ultrapassado e foi baseado em um regulamento adotado no Brasil na década de 1950. “O sistema que hoje está vigente não é um sistema que consegue garantir 100% de eficácia e eficiência da proteção. A gente acaba percebendo algumas falhas em alguns lugares”, argumentou.
Luís Eduardo Rangel também entende que o crescimento do setor produtivo brasileiro tem sido um desafio para o governo. “O Estado não consegue acompanhar a dinâmica do agronegócio, em termos de seu tamanho e de suas competências”, reconheceu.
O representante do setor de pescados alertou que a edição de mais uma MP precisa, de fato, trazer benefícios para a sociedade, garantir a segurança dos alimentos. “Não dá para criar mais um sistema dentro das indústrias sem revogar aqueles que já existem”, pontuou. “O governo já demonstrou que é reformista. A gente precisa ter uma mudança cultural e isso não vai acontecer do dia para noite com a assinatura de uma medida provisória nem mesmo quando ela virar lei”, admitiu Rangel.