A Lei de Falências atual não prevê a recuperação judicial para produtores pessoa física. Mas uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desta semana pode dar um novo entendimento a essa situação. A forma de concessão desse mecanismo divide opiniões entre agropecuaristas e as empresas que financiam a safra brasileira. A posição dos dois lados foi exposta no programa Direto ao Ponto, deste domingo, 10. Para falar sobre o assunto, foram convidados o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, e o consultor jurídico da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), Felipe Camargo.
Os ministros do STJ reconheceram que dívidas contraídas anteriormente à inscrição na junta comercial por um produtor rural do estado de Mato Grosso poderão ser incluídas no processo de recuperação judicial. A decisão foi tomada pelos magistrados da 4° Turma do Tribunal. O julgamento tem sido motivo de grandes debates, já que o Código Civil permite aos produtores rurais atuar como pessoa física ou empresa. Só que a lei que trata sobre o tema, 11.101/2005, diz no seu texto que somente aqueles com cadastro na junta comercial e com no mínimo dois anos de atividade podem ter acesso ao processo de reestruturação.
O presidente- executivo da Abiove, André Nassar, acredita que o caso específico, julgado pelo STJ, vai mudar a forma como se financia o produtor rural no país. “Esse é um caso muito específico porque eu não consigo ver como isso vai repercutir para todos os demais casos. Vai ter embargos de declaração para entender esse caso sobre essa questão dos dois anos. Isso é certeza, e vai gerar uma baita discussão”, disse, ao lembrar que ainda cabe recurso à decisão do STJ.
“Ele (o produtor) tem os controles, ele tem o balanço, ele tem a gestão toda organizada. Então quem vai financiar consegue avaliar o risco dele melhor, se ele tem algum risco, entra naquelas classificações a,b,c,d, que o mercado pratica. Esse produtor deveria receber um financiamento com juros menor. Com essa decisão, isso vai inverter”, afirmou Nassar. “Eu como financiador, eu vou querer entender o risco dele de pedir recuperação judicial. Certamente eu vou querer ir mais a fundo nessa análise”, acrescentou.
O dirigente da Abiove ainda destacou que a recuperação judicial da forma como foi decidida pelo tribunal vai ter repercussão na emissão de títulos do agronegócio. “Qual é a minha preocupação hoje com a recuperação judicial? O produtor se financiou, vendeu antecipado, pediu recuperação e quer vender aquele produto que ele já entregou a CPR [Cédula de Produto Rural] para mim e para outro. E ainda quer um deságio em cima do valor que ele me deve em termos de produto. A nossa preocupação como trading é essa”, explicou.
No entanto, ele entende que não é interesse do setor levar o produtor a falência. “A gente não pode retirar o crédito e deixar ele ir pra falência”, pontuou.
Já o representante da Aprosoja Brasil, Felipe Camargo, entende que o grande intuito da recuperação judicial é tentar evitar a falência. ”É dar oportunidade para que o produtor possa manter a atividade econômica e conseguir retomar a normalidade”, disse. De acordo com o representante da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, o que se pretende é buscar uma alternativa para que o produtor tenha o direito de acessar essa possibilidade, esse instrumento de recuperação. “O produtor tem que dar a si o direito de se reerguer, que é o que a recuperação judicial garante e visa a possibilitar”.
Lei de recuperação judicial e falências
Sobre a lei que trata de recuperação judicial e falências, o representante da Abiove foi direto. “A lei 11.101 não resolve isso aí. Tanto é que tivemos um caso julgado numa situação específica ainda com dúvida sobre os demais casos. A questão jurídica não está pacificada e eu entendo que a gente precisa pacificar essa questão no Legislativo”.
Nassar defende que, em vez de inserir o produtor rural na atual lei de falências, que seja criada uma nova lei para dar segurança jurídica ao produtor e ao financiador do setor rural. Na sua opinião, essa norma deve ter mecanismos que dê garantias às empresas e, ao mesmo tempo, no momento em que o produtor precise se reestruturar financeiramente que continue a ter acesso a crédito. “Ele continua sendo financiado e a gente dá a possibilidade de ele se recuperar, coisa que na lei 11.101 eu acho praticamente impossível de acontecer”, avaliou o representante da Abiove.
De acordo com Camargo, a Aprosoja tem acompanhado tanto no Legislativo como no Judiciário a questão da recuperação judicial. No caso julgado recentemente pelo STJ, a associação entende que foi a melhor solução. “Vamos continuar no debate para gente pacificar isso. Se for o caso, pela lei, pelo Legislativo”, afirmou.
Felipe Camargo comentou ainda sobre o projeto de lei 10.220/2018, que está sendo discutido no Congresso Nacional. A proposta pretende modernizar a legislação no que diz respeito às recuperações judicial e extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. “Tem, de fato, o Projeto de Lei 10.220 que está sendo discutido. Ele não está revogando a lei, ele está alterando, emendando a lei que já existe. É um tema que o Parlamento quer sim debater”, finalizou.