Mais de um mês após o governo anunciar novas linhas de crédito e renegociação de débitos para agricultores afetados pela pandemia e pela estiagem no Sul, o efeito prático ainda não chegou na ponta. A burocracia e algumas travas legais impedem que os produtores consigam ser efetivamente atendidos. Na última semana, uma nova decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) promete dar alívio para agricultores e cooperativas mais atingidos pela seca. Houve a autorização para que as instituições financeiras prorroguem as parcelas de financiamento usando a fonte original de recursos, o que permite a renegociação mantendo os juros equalizados.
“Muitos produtores estão vendo seus negócios realmente afundarem e as respostas têm que ser rápidas”, alertou o superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) Bruno Lucchi. No programa Direto ao Ponto deste domingo, 17, Lucchi esmiuçou as medidas já adotadas pelo governo para enfrentar a crise, as reais necessidades dos produtores e o trabalho da entidade para atender, especialmente, aos setores de leite, hortifrúti, flores e etanol.
No caso do grupo sulista que acumula prejuízos em decorrência da estiagem, a nova resolução do CMN (4.816/2020) inclui operações de custeio e de investimento contratadas com equalização de encargos financeiros pelo Tesouro Nacional no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) ou do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A preocupação desde que a renegociação foi autorizada, em 9 de abril, era que as parcelas prorrogadas seriam cobradas com juros livres (mais altos), tornando inviável o pagamento para o produtor.
“Os produtores do Sul têm reclamado do prazo, mas o principal é ter o recurso, é poder prorrogar, poder economizar nas parcelas que vão ser prorrogadas. Assim, eles conseguem tocar a atividade de forma regular”, enfatizou.
As primeiras medidas de socorro ao agro após a crise da pandemia foram liberadas em 9 de abril. Uma delas permite também renegociação de débitos e liberação de nova linha de crédito para pequenos e médios produtores. A linha de crédito é voltada para capital de giro para agricultores do Pronaf e Pronamp, com limite de R$ 20 mil e R$ 40 mil por tomador, respectivamente.
A mesma resolução liberou também um financiamento de estocagem de até R$ 65 milhões, por tomador, para cooperativas e agroindústrias. Também incluiu prorrogações e débitos com vencimentos entre janeiro e agosto deste ano.
Nesta situação, permanece a dificuldade em acessar as medidas. “Quando o produtor chega na agência, o banco informa que não recebeu nada de solicitação referente à prorrogação ou ainda é avisado que o setor dele está muito bem e que não precisa de prorrogação”, alerta Lucchi.
Com relação às renegociações de linhas do Pronaf e Pronamp, Lucchi chama atenção para a mesma dificuldade dos produtores atingidos pela estiagem: a taxa de juros. Segundo ele, os produtores chegam a instituição financeira e escutam que os bancos vão prorrogar, mas que a taxa vai ficar maior do que a contratação original.
“Ou seja, não resolve a vida do produtor. Por isso, a necessidade de um ajuste também nesse caso, que de acordo com o superintendente técnico virá via projeto de lei. Vai ter um aporte de recursos suplementar para o setor e dar condições ao produtor poder prorrogar seus financiamentos”, explicou.
Procurados pela reportagem do Canal Rural, Banco do Brasil e Caixa Econômica declararam que as medidas estão disponíveis. O Sicredi informou que, a partir desta semana, as linhas de crédito emergenciais estarão liberadas. O Bradesco não prestou esclarecimentos sobre linhas emergenciais, mas afirmou que as prorrogações financiamentos podem ser solicitadas.
Ajuda ao setor de etanol
Na última semana, novas medidas emergenciais e estruturantes para o agronegócio foram tema de reunião realizada entre o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Alceu Moreira, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, além de Bruno Lucchi e outros representantes da CNA.
Um dos tópicos foi relacionado ao setor de etanol, que sofre impacto pela queda da demanda do combustível com o isolamento social e pela redução do preço do barril do petróleo.
“O presidente do Banco Central nos adiantou que o BNDES está trabalhando nessa linha para que as indústrias do etanol consigam tomar crédito para fazer as estocagens, o que deve sair em breve”, disse.
As medidas de socorro ao setor sucroenergético estão em discussão no governo há cerca de 50 dias. Outra ação colocada na mesa, o aumento da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina para dar mais competitividade ao etanol, já foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro.