Aposentados rurais estão sendo vítimas de golpes envolvendo empréstimos consignados. Sem fornecer dados ou fechar contratos, ao acessarem a conta em que recebem a aposentadoria, eles se deparam com parcelas de financiamentos sendo descontadas.
Um aposentado de Minas Gerais, que prefere não ser identificado, conta que teve a aposentadoria aprovada em janeiro. Em março, quando foi ao banco, um atendente disse que ele tinha feito um empréstimo de R$ 13 mil. Mesmo tendo questionado a instituição, em abril veio o desconto. “Recebi só R$ 716. Nossa, eu me senti ruim demais, perdi até duas noites de sono com isso”, conta.
O mesmo aconteceu com a aposentada rural Marlene Kope, de Brochier (RS). Ela mora a 10 quilômetros de distância da sede do município, e foi obrigada a ir ao centro diversas vezes para tentar resolver. “Deu aquele revertério de correr para lá e para cá. Foi trabalhoso e, principalmente, foram muito danos morais, digamos assim. Além do salário, da primeira prestação que eles conseguiram tirar do meu salário e não ganhei integral”.
Empréstimos consignados estão entre as principais reclamações registradas pelo Banco Central. No primeiro trimestre deste ano, ofertas ou prestação de informações inadequadas sobre esse tipo de negócio ficaram em primeiro lugar, com quase 7.000 ocorrências. No mesmo período do ano passado, antes da pandemia da Covid-19, havia registro de 889 reclamações. Ou seja, de um ano para o outro, houve um salto de mais de 700%.
Já as concessões de crédito consignado sem formalização adequada somaram 284 reclamações neste primeiro trimestre.
Entidades estão tomando medidas para coibir empréstimos sem autorização
Ao perceberem a cobrança ou débito de valor indevido nas aposentadorias, muitos segurados pedem ajuda aos sindicatos rurais. Percebendo o aumento de casos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) decidiu reunir informações e entregou um dossiê ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de outras autoridades. A entidade indica que além de haver irregularidades por parte dos bancos nesses contratos, há indícios de violação dos dados do aplicativo Meu INSS.
A advogada Andrea Costa, especializada em direito digital, acredita que houve um vazamento de dados dos aposentados. “Você vê pelo dossiê que é um grupo muito grande de pessoas que tiveram esse prejuízo, que não conseguiram ter o acesso à sua conta no Meu INSS – como aconteceu também com o aplicativo do FGTS -, então eles não conseguiram ter esse acesso, e logo que eles conseguem recuperar senha, eles acessam e já têm a informação de um consignado feito na conta, recebimento de boleto bancário. Então, assim, é nítido que houve um vazamento”.
Ainda sem respostas do INSS, a secretária de Políticas Sociais da Contag, Edjane Rodrigues, diz que a entidade também enviará um ofício ao Banco Central. “É preciso que os órgãos de controle tomem outras providências, porque se há indícios de fraudes, essas pessoas são vítimas. Não é esperar ele [o empréstimo sem autorização] acontecer para resolver, é evitar que ele aconteça”.
O parlamento também se movimenta para tentar inibir esse tipo de prática. De acordo com o deputado federal Heitor Schuch (PSB-RS), que preside a Frente Parlamentar da Agricultura Familiar, a bancada está finalizando um projeto de lei para colocar “travas” nesse processo. “Hoje parece que em uma simples ligação telefônica se fala alguma palavra e já se dá o ciente de que está concordo com o crédito consignado. Nós temos que frear isso”.
Andrea Costa pede que os aposentados fiquem atentos. Entre as recomendações dela, está não usar datas comemorativas ou de nascimento de filhos ou cônjuges, porque pode facilitar o acesso para pessoas mal intencionadas. “Troque sua senha de seis em seis meses. Não use a mesma senha para todos os seus aplicativos. Além das senhas, você tem que monitorar a sua conta e o seu aplicativo”, pontua.
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva, diz que a entidade está orientando os aposentados, por meio dos sindicatos, a quando notarem depósitos indevidos, que ele vá ao sindicato e leve os comprovantes para fazer a denúncia. “A gente vai fazer um boletim de ocorrência. E a gente orienta a entrar em contato com os instrumentos legais que o INSS tem hoje para fazer a denúncia, inclusive para pedir a devolução do recurso”.
A advogada Fernanda Paz ainda recomenda que, caso o conflito não seja resolvido entrando em contato com a instituição financeira, o aposentado busque o apoio de um Procon mais próximo. Se ainda assim não houver resolução, o caminho final é a ação judicial.
“É preciso fazer uma ação de ajuizamento de reparação de dano. dentro desta ação é possível requerer a repetição de débito, que se trata de um direito de receber o valor descontado indevidamente em dobro. Nessa ação pode ser requerido também a inversão do ônus da prova, ou seja, o banco ou a instituição que deve comprovar que fez um acordo entre as partes para poder haver esse empréstimo consignado na conta do pensionista ou do aposentado. E é claro que, devido a todo o infortúnio, à toda a questão que passa a ser um aborrecimento, cabe também uma indenização por dano moral”, justifica.