Laboratórios que fabricam a vacina contra a febre aftosa se ofereceram para ajudar a produzir a vacina contra o novo coronavírus no Brasil. Em carta enviada ao presidente da Comissão Temporária da Covid-19, senador Wellington Fagundes, o sindicato nacional da indústria de produtos para saúde animal, o Sindan, informa que o setor possui três plantas que podem ser adaptadas para fabricação de vacinas destinadas a humanos.
O vice-presidente executivo do Sindan, Emílio Salani, conversou com o Canal Rural e explicou que já mantém conversas com o Instituto Butantã, fabricante da Coronavac no Brasil, desde janeiro sobre este tema a pedido do Ministério da Agricultura. O objetivo do sindicato é que estes laboratórios fabriquem a matéria-prima da vacina: o IFA – Ingrediente Farmacêutico Ativo. Confira a entrevista:
Canal Rural – De onde partiu essa iniciativa do Sindan se colocar à disposição para contribuir na produção de vacinas contra Covid-19?
Emílio Salani – Bom, nós inicialmente recebemos um input do Mapa, o Ministério da Agricultura, para que conversássemos com o Butantã analisando a possibilidade de produzir Coronavac, vacina inativada, nas plantas que produzem vacina de aftosa.
Canal Rural – Esse contato aconteceu quando?
Emílio Salani – Há três meses, mais ou menos, e nós rapidamente nos reunimos com toda equipe do Butantã, toda equipe do Sindan. O Sindan representando as indústrias [ de produtos de saúde animal], nós trocamos alguns e-mails com algumas dúvidas que a indústria tinha e o Butantã aportou algumas respostas que foram suficientes para que a gente analisasse que, se houver interesse de ambas as partes, dá pra se aventar a oportunidade de produzir vacina contra coronavírus, inativada, nas plantas biosseguras que produzem produto para saúde animal.
Canal Rural – Essas três plantas que fazem vacina para aftosa são consideradas seguras para fabricação de vacina animal. Como fica essa transição para fazer a vacina de humanos?
Emílio Salani – Nós sempre colocamos a todos os interlocutores que o fundamental é que a pessoa que se interessar em usar essas plantas tem que ser um uso spot: uso por período pré-determinado, porque elas são destinadas a produzir vacina contra febre aftosa, então ela sempre produz ao redor de 400, 450 milhões de doses de aftosa para o Brasil e países da América do Sul todos os anos.
Dado a capacidade em termos de volume de produzir dessas empresas e a segurança, nós sempre analisamos a possibilidade de que o interessado que tiver as condições de acessar a tecnologia do laboratório que produziu o IFA [Ingrediente Farmacêutico Ativo], poderá também fazer acordos de confidencialidade, transferir essa tecnologia e implementá-la nessas plantas biosseguras. A grande vantagem é que essas plantas biosseguras são à prova de escape.
Então, quando a gente fala que vai iniciar um trabalho de ciclo completo, com o vírus vivo, com a cepa semente, até que a gente possa finalizar num IFA, a gente não coloca de maneira nenhuma o nosso país em risco porque essas plantas têm um controle absoluto até de entrada de ar e de saída de ar, quiçá de pessoas. São laboratórios com pressão negativa, tratamento de efluentes, portas ativas, salas de entrada, são plantas categorizadas pelo Ministério da Agricultura como NB3+, então elas são bem próximas do estado da arte em termos de biossegurança.
Canal Rural – Seria o nível NB4 para vacina humana, certo?
Emílio Salani – Sim. Existe o nível NB4 que é pra vacina humana, que é que a gente trabalha sempre com a possibilidade de fazer uma conexão do ar que os funcionários respiram com o externo e alguns outros detalhes. Mas, dentro da categoria de saúde animal, nós estamos praticamente com o máximo de nível de segurança estabelecido, inclusive para a OIE [Organização Internacional de Saúda Animal], onde ela é chamada de NB4- OIE.
Canal Rural – Nesse processo de contribuição com o Butantã, vocês ficariam apenas com a fabricação do IFA. Como isso contribui para acelerar o processo da vacinação contra Covid?
Emílio Salani – Um dos grandes gargalos é que o nosso país compete com outros países na busca de produtos terminados ou de IFAs para serem terminados no Brasil. O entendimento nosso é que, caso haja interesse de alguma dessas entidades em estudar a possibilidade de usar nossas plantas, nós quebraremos esses gargalos. Pularíamos esse gargalos, porque todo o processo produtivo desde o início do cultivo do vírus, até o envase final vai ser feito dentro do nosso país.
Canal Rural – Qual é o nível de experiência destas três plantas de inativar o vírus e fazer a fabricação desse IFA?
Emílio Salani – Considerando essas plantas que existe possibilidade de produzir IFAs de corona, a partir da semente, essas plantas fabricam anualmente de 400 a 450 milhões de doses de vacina contra febre aftosa, que é utilizada no território brasileiro e em países da América do Sul que ainda demandam esse monógeno. Para a gente fazer um juízo de valores, nos últimos cinco anos, elas produziram mais de 2 bilhões de doses de vacina contra febre aftosa. Lembrando que além de produzir, esses laboratórios distribuem as vacinas por um período curto que é abril e maio e outubro e novembro todos os anos.
Canal Rural – E o sistema logístico da vacina contra febre aftosa se assemelha ao da Coronavac, por exemplo?
Emílio Salani – Sem sombra de dúvidas. Esses 400 milhões de doses que nós disponibilizamos em todo território brasileiro é transportado por meio de uma central que faz a colocação de um selo holográfico garantindo a qualidade e segurança de toda vacina, 100% dessa vacina tem duplo controle. Ela é controlada pelo laboratório produtor e pelo governo. O Ministério da Agricultura, através do seu laboratório de referência no Rio Grande do Sul, armazena toda essa vacina, de 2 ºC a 8 ºC, em Vinhedo e transportam, com controle de temperatura, até as revendas e cooperativas que comercializam a vacina contra febre aftosa. Lembrando que essa vacina não pode ser descarregada em nenhum ente comercial sem a presença e fiscalização de um fiscal agropecuário.
Canal Rural – Essa questão da transferência de tecnologia para que as plantas operem na fabricação do IFA dentro do país, ela é possível? Existe autorização da Sinovac pelo que vocês conversaram com o Instituto Butantã?
Emílio Salani – Nós não temos acesso aos contratos que eles realizaram. Mas, pelo menos o que nós entendemos de algumas entidades no Brasil que já estão trabalhando com IFAs, fazendo a terminação no Brasil, é que dentro de um prazo muito curto eles estarão fazendo a transferência de tecnologia desses laboratórios para o laboratórios brasileiros e aí, digamos enfim, dominando a técnica do pé à ponta, desde a semente até o produto acabado. Por isso que nós tomamos como base o início. Não adianta não dizermos que vamos envasar IFA, porque hoje já se faz isso e nós concorreríamos com os gargalos que vemos aí. No final do dia, essa entidade, seja ela Fiocruz ou Butantã ou quem se interessar em debater isso, tem três coisas que são básicas: que Anvisa e Mapa estejam acompanhando o passo-a-passo. Porque é obrigatório a autorização do ministério e dessa agência. É importante que nós estamos oferecendo uma estrutura que já está instalada no Brasil, então seria por um período de tempo e essa produção tem que ser gerenciada e coordenada pelo responsável por essa transferência de tecnologia. Aí nós entendemos, até onde a gente enxerga, que dará segurança a todos: a quem traz a tecnologia, a quem cede a tecnologia e as agências reguladoras e o Ministério da Agricultura.
Canal Rura – Depois desta transferência de tecnologia, vocês acreditam que é possível fazer a entrega de lotes do IFA, das vacinas contra o corona, em quanto tempo?
Emílio Salani – A vacina tem um ciclo de produção relativamente curto. A gente entende que de posse da semente de trabalho, do roteiro de fabricação, da sistemática de fabricação, do plano de fabricação, da metodologia de fabricação da vacina, e algumas adaptações que os laboratórios necessitarão, nosso entendimento é que ao redor de 90 dias nós teremos condição de ter os primeiros IFAs produzidos e entregues ao detentor dessa transferência de tecnologia.
Canal Rural – Fazer essa cessão de uso desses laboratórios, focados em aftosa, para produzir essas vacinas humanas pode trazer prejuízo para fabricação dos imunizantes contra aftosa?
Emílio Salani – De maneira nenhuma, porque o ciclo de produção e controle de uma vacina contra aftosa varia ao redor de 8 a 9 meses. Então, pra fazermos juízos de abastecimento, a vacina de maio já está na nossa central de distribuição. A vacina de novembro de 2021 está na mão do governo para controle. Nós estamos, agora, produzindo as vacinas de maio de 2022. Então faríamos apenas uma parada pra tentar produzir quantidade de IFAs significativos de forma a levar alento para a população brasileira.
Canal Rural – Como estão essas conversas com o governo para ter a liberação das plantas sobre a fabricação de vacina contra a Covid-19?
Emílio Salani – Eu acredito que desde o final-de-semana a gente tem trabalhado com a equipe do senador Wellington Fagundes. Participaram os diretores do Sindan, o presidente e vice-presidente que, coincidentemente, são presidentes das empresas que fabricam as vacinas contra febre aftosa, e nós entendemos que essa ideia do Senado de colocar na mesma mesa a indústria veterinária, Anvisa, Mapa e também o detentor da transferência de tecnologia acelera e muito processo. E outra, se não for viável já será possível ver em um curto espaço de tempo. Vemos com bons olhos essa atitude do Senado e, inclusive, eu me coloquei à disposição do Ministério da Agricultura hoje de manhã para que tirassem qualquer dúvida que eles tivessem.
A entrada do Senado nesta discussão vai depurar se é viável essa colaboração. Temos que saber rapidamente para que as autoridades sigam uma estratégia. O que não pode acontecer é, na situação em que estamos, não debater esse assunto.