A pecuária brasileira não deve ser afetada em 2015 pela valorização do dólar. A opinião é do professor e pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq) Sérgio De Zen.
A entrevista faz parte da série especial do Jornal da Pecuária, e foi concedida ao jornalista Sergio Braga.
Canal Rural – Nós tivemos uma valorização acentuada da moeda norte-americana a partir do segundo semestre de 2014. Até que ponto isso causa um choque na produção pecuária no Brasil?
Sérgio De Zen – De certa forma, a valorização do câmbio tem um efeito pequeno sobre o custo, porque a gente tem entre 10% e 15% dos insumos que dependem da moeda estrangeira. O grosso do custo da produção pecuária, diferentemente de outros setores do agronegócio, é formado no mercado interno. Mesmo num ambiente de encarecimento do dólar, o custo não sobe tanto. O que impacta muito mais é o salário. Quando você tem um mercado de trabalho muito demandado e pouco ofertado, isso leva a um encarecimento da mão de obra, o que encarece mais a pecuária do que o dólar, propriamente. Se a gente tiver um processo de reversão no próximo ano, com o dólar se depreciando diante do real num eventual controle fiscal, com elevação da taxa de juros e tudo mais, a pecuária não vai ter ganhos em custo. Mas também não deve perder muito mercado internacional mesmo com esse fato, porque a carne brasileira não tem um substituto na quantidade. Isso deve levar a um repasse para o mercado em termos de preço internacional. A carne tem uma posição relativamente confortável no que tange a custo.
Canal Rural – Promover as proteínas animais – suínos, bovinos, até mesmo aves – a principais responsáveis pela inflação é dar um tiro no pé?
De Zen – É lógico. Essa alta é resultado de um choque de oferta brutal que o setor teve, porque houve uma seca sem precedentes históricos e, com isso, a gente deixou de produzir algo em torno de uma a duas arrobas [por animal] no Estado de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Goiás, Triângulo Mineiro, Paraná. E essas regiões representam quase 50% do que a gente produz. O choque de oferta causado por um efeito climático levou a uma sustentação de preços. Agora, quando a gente vende para o exterior, a gente não vende a carcaça toda do boi, vende alguns cortes. Como para cumprir os contratos de exportação e vender essa carne eu gero outros produto, muitas vezes as empresas são obrigadas a vender no mercado interno certos cortes. Isso até ajuda o controle de inflação, porque elas têm que desovar [esses cortes]. Se elas não desovarem, vai ter um custo tão alto para estocagem que não compensa. A exportação não pode ser vista como um fator que eleva preço. Ela ajuda, em alguns momentos, até a segurar a elevação de preço. Isso explica muitas vezes porque o preço do boi sobe mais do que o da carne no atacado ou no varejo, porque uma parte do boi que ficou vai ser “queimada”. É importante lembrar que, quando a gente abate um boi, a gente não gera um produto; a gente entra com um produto e sai com mais de 400 produtos diferentes. É essa composição de preços que vai pagar o boi inteiro. Essa composição tem um equilíbrio difícil de ser alcançado, é um processo muito mais dinâmico do que as pessoas observam.
Canal Rural – Qual o recado que o senhor dá ao produtor para 2015?
De Zen – O produtor tem que observar que é um ano de muita incerteza. Ele deve investir com certa parcimônia, não investir em nada que não gere retorno para ele. Não correr risco desnecessário, só fazer aquilo que é necessário para manutenção e ampliação do processo produtivo. Se ele fez caixa, se ele vendeu bem, deve observar o próximo ano com muito cuidado e mexer naquilo que aumenta a produtividade dele.