Bovinocultura não está imune à crise, diz Scot Consultoria

Fundador da empresa afirma que atividade foi protegida pela alta dos preços da arroba

Fonte: Renata Sirtoli/Canal Rural

O agrônomo e fundador da Scot Consultoria, Alcides Torres, afirma que os preços da arroba de boi gordo e do mercado da reposição subiram acima da inflação em 2014 e neste ano, mas ressalta que a atividade não está totalmente blindada contra os reflexos da crise econômica e política vivida no Brasil.

A declaração foi dada nos bastidores do Encontro de Analistas, evento anual realizado pela consultoria em São Paulo. “Suportamos [a crise] e obtivemos ganhos reais, mas tempos bons não duram para sempre”, alerta o especialista.

Para Torres, a pecuária esteve protegida contra as turbulências econômicas e financeiras por causa do ciclo de alta nos preços da arroba do boi, causado pela baixa oferta de animais para o abate. Em virtude do forte abate de fêmeas em 2012 e 2013, produtores passaram a reter matrizes este ano para investir no mercado da cria. O reflexo natural disso é escassez temporária de bovinos de corte, prontos para o abate. “Esse processo deve se estender até o ano que vem, mas já se desacelerando”, prevê.

No início de 2017 ou de 2018, Torres espera que o mercado entre em um ciclo inverso, de maior oferta e “com expectativa de queda nos preços da arroba”.

Sobre 2015, o fundador da Scot nota que o desempenho da pecuária foi bom, mas poderia ter sido melhor. “Produtores ganharam dinheiro, mas teriam alcançado ainda melhores resultados, se o ambiente estivesse favorável”, pontua, referindo-se à crise.

Crise

No mesmo evento, o diretor da consultoria, Alex Lopes, considera a possibilidade de queda no consumo de carne bovina no Brasil em 2016 em decorrência da crise macroeconômica. “Nada indica aumento do emprego, a inflação deve mais uma vez ficar acima do teto da média de 6,5% ao ano e teremos mais um período de recessão e queda da produção industrial”, destacou Lopes.

O diretor afirma que os efeitos do avanço do desemprego este ano não tiveram todo o seu efeito negativo sobre o consumo de carne bovina ainda. O analista destaca que muitos trabalhadores ainda usufruem de seguro-desemprego, benefício que pode vencer em muitos casos no início de 2016. Com isso, a demanda agregada por carne bovina deve diminuir.

Lopes espera que esse processo resulte em pressão sobre as margens de varejistas. “Com o boi perto da inflação e a indústria brigando para manter suas margens, isso deve chegar ao varejo”, pontuou.

Oferta escassa

Em sua análise, o médico veterinário e diretor da Scot Consultoria Hyberville Neto prevê oferta ainda escassa de bois para o abate em 2016, o que tende a manter a firmeza de preços da arroba. Ele ressalva, porém, que o consumo interno será um limitador de preços.

Neto fez coro à preocupação de outros analistas com o entrave político que dificulta o ajuste fiscal e compromete o consumo de carne bovina no curto prazo.

“A oferta deve continuar curta, com preços brigando com a inflação, possivelmente com estabilidade no ano ou até queda real”, antecipou Neto. Segundo o consultor, a disponibilidade de gado para o abate vai depender do volume de fêmeas que pecuaristas decidiram manter para investir no mercado da cria.

Alex Lopes pontuou que a demanda deve estar sob pressão no início de 2016, período em que incidem impostos específicos sobre a população. “Em janeiro e fevereiro a população naturalmente mantém poder aquisitivo menor, o que pode levar o mercado (do boi gordo) a perder sustentação”, diz. Lopes espera que a oferta de bois a pasto aumente, como é de costume, em janeiro.

Confinamento

O consultor do banco Haitong, Leandro Bovo, prevê que 2016 será um ano desafiador para o confinamento de bois, devido à maior pressão dos custos. “Não estou dizendo que será menos lucrativo, mas será mais desafiador”, afirmou durante painel do evento.

Em sua argumentação, o analista pondera que a relação de troca entre a arroba do boi gordo e do milho tem diminuído – um indicativo de que pecuaristas terão de desembolsar mais para suprir as necessidades nutricionais da engorda.

“É fato que o confinador vai entrar com um custo de alimentação muito maior. Isso sem falar no custo do boi magro, na reposição, que também está em patamar recorde”, alerta Bovo. “Dada essa pressão, vamos depender que a arroba melhore ao longo do ano. Existe a expectativa de oscilar acima da inflação, ajudado pela exportação”, acrescenta.

O consultor da instituição financeira também diz que produtores não podem prescindir da produtividade e que devem continuar a investir na atividade intensiva.

Neste âmbito, o professor do Cepea/Esalq, Sérgio De Zen, pondera que a imprevisibilidade do cenário macroeconômico é um limitador para o confinamento. “Hoje trabalhamos com câmbio, consumo e juros voláteis. É uma bagunça macroeconômica”, afirma. Para De Zen, “se ocorrer a recessão brutal que se prenuncia”, o ano tende a ser difícil e volátil.