O que antes era um custo de menor impacto, hoje preocupa o pecuarista Augusto Martins, de Rio Verde (GO). Ele conta que, desde 2009, o Imposto Territorial Rural (ITR) tem aumentado a cada ano e já compromete os ganhos na atividade rural.
“No início, como o valor era realmente baixo, [o reajuste] não impactou tanto. Só que com o passar do tempo, todo ano teve um reajuste impactante. Num ano 300%, no outro ano 120%, no outro ano 200%. Em 10 anos, isso chegou num patamar que realmente passou a diminuir a renda da produção agrícola. Hoje, nós nos programamos pro pagamento do ITR”, expôs.
Em 2009, a prefeitura de Rio Verde (GO) fechou convênio com a Receita Federal do Brasil (RFB) para que o município passasse a administrar e fiscalizar o ITR. Como benefício, as arrecadações do tributo passaram a ficar integralmente retidos nos cofres municipais. Mas, para cumprir as exigências da Receita, nos últimos 10 anos, a prefeitura tem revisto todos os anos os VTNs médios, que servem como referência para que os produtores rurais façam a autodeclaração do imposto.
De acordo com Martins, os Valores de Terra Nua por hectare têm crescido de forma muito rápida. O pecuarista conta que em 2012 o terreno considerado mais produtivo – e, por consequência, mais caro – estava com VTN por hectare de R$1780. Em 2019, essa mesma categoria de terreno foi avaliada em R$26.177,88/hectare, um aumento de 1400% em apenas sete anos.
“A produção agropecuária, além de gerar muitos empregos, ela gera uma cadeia de produção de tributos. Não é só o ITR que o agronegócio gira. Ele vai gerar imposto de renda, ICMS, toda a cadeia de impostos que a gente pode imaginar. O gestor público, ele não pode pensar: preciso aumentar o ITR, porque o produtor não paga IPTU da terra. O ITR foi criado para estimular o uso da terra, mas ultimamente parece que quem mais usa a terra, acaba tendo que pagar mais imposto”, desabafa Augusto Martins.
O secretário de Fazenda de Rio Verde, Ênio Freitas de Sene, defende que não há supervalorização da terra. Ele conta que, em 2017, a prefeitura identificou, por meio de laudos, que o VTN vigente estava defasado e propôs o aumento que mais do que dobrou as receitas com o imposto. Em 2017, a prefeitura recolheu aproximadamente R$5 milhões com o ITR; em 2019, a arrecadação foi de aproximadamente R$11 milhões.
“O VTR representa pouco mais de 1% hoje do total da arrecadação do município. Então não era visando o aumento de arrecadação que nós fomos atrás do cumprimento da norma do convênio que nós temos com a Receita Federal. Mas, sim, para fazer um trabalho de técnica pra que nós pudéssemos estar entregando o compromisso que nós fizemos em 2009 com a Receita Federal. O município de Rio Verde implementou, em 2017, 346% de recursos sobre o valor arrecadado do ITR. Então o produtor fala: o que tá sendo feito desse dinheiro? Esse dinheiro não tem vinculação direta pra ser utilizado na atividade do agronegócio, mas o município tem utilizado bem mais do que esse recurso em melhorias da zona rural”, justifica o secretário da Fazenda.
ITR na mira da Receita
Em maio, uma equipe de auditores federais foi designada para cuidar especificamente do ITR. Atualmente, pouco mais de 20% dos municípios brasileiros possuem convênio com a RFB para tomar a frente na administração do tributo. O fisco pretende aumentar essa porcentagem e rever os Valores de Terra Nua tabelados nas cidades do país
Depois de analisar os recolhimentos do último ano, os membros da equipe identificaram que há desigualdades nas avaliações dos Valores de Terra Nua (VTN) – base de cálculo do ITR – em municípios muito próximos, assim como há desequilíbrio nos pagamentos feito dentro de uma mesma cidade.
“Há uma avaliação muito heterogênea no Brasil. Algumas regiões estão com esse Valor da Terra Nua subavaliados. Nós entendemos que há uma necessidade de fazer correção no território brasileiro, alguns municípios estão subavaliados nessa base de cálculo”, aponta o chefe da equipe, o auditor fiscal Sizenando Oliveira.
Sizenando explica que, em parceria com governos municipais, a Receita pretende aferir as declarações prestadas por produtores rurais. “Os critérios de avaliação são as transações que ocorreram localmente. A gente levanta através de cartório quais foram os valores das transações por hectare. Leva em consideração os recursos hídricos, os acessos viários, a natureza do solo, tipo de solo, se é útil pra pastagens, pra agricultura, se é mais rochoso. São muitos detalhes que interferem nessa avaliação. A gente tem percebido que muitas propriedades informam que não são áreas boas, quando são”.
Em 2019, a Receita Federal publicou uma instrução normativa definindo os critérios para determinação do VTN. O documento deixa claro que é necessário excluir benfeitorias feitas na terra para se chegar ao Valor de Terra Nua. Mas, produtores reclamam que solos, originalmente pouco produtivos, mas que foram melhorados por meio de investimentos, são avaliados com base na situação atual.
“Quando a gente analisa uma limpeza de terreno, uma limpeza de área, um calcário, fertilização, enfim, esse tipo de melhoria no solo sem sombra de duvidas é passível de dedução pra cálculos de valor de VTN. Alguns engenheiros agrônomos que fazem laudos pra prefeitura desconsideram isso erroneamente e é facilmente questionado na justiça quando quem fez o laudo supervalorizou aquele Valor de Terra Nua”, alerta o coordenador de Assuntos Econômicos da CNA, Renato Conchon
Para evitar possíveis abusos, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também montou um grupo responsável por acompanhar as mudanças do ITR em diferentes regiões do país. A entidade alerta o produtor rural sobre a necessidade de se cercar de segurança jurídica. “É muito importante que os produtores tenham um laudo pra poder comprovar que o que está na sua declaração de ITR é realmente o que acontece”.
Em caso de divergências, Conchon recomenda que os produtores procurem os sindicatos rurais ou as federações da agricultura para que eles possam protocolar denúncias nas delegacias regionais da Receita Federal.
“Se aquela secretaria da Receita Federal, se aquele prefeito não tomar nenhuma atitude, a CNA vai tomar por meio da secretaria da RFB aqui em Brasília ou por meio de algum movimento parlamentar. Mas isso ainda está sendo decidido, ainda estamos avaliando o que tem chegado aos sindicatos e federações”, finaliza.