A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura — movimento formado por 230 entidades e empresas — enviou nesta terça-feira, 15, ao governo federal um conjunto de seis propostas para “deter, de forma rápida e permanente”, o desmatamento na Amazônia.
Parte do setor produtivo reagiu mal à notícia, temendo que o produtor rural possa ser criminalizado. Mas o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) e membro da coalizão, Marcello Brito, afirma que isso não acontecerá. “É uma bobagem tremenda. Desde quando pedir legalidade é criminalizar? Quem fala isso está dando proteção a quem está ilegal. A quem mais interessa transparência senão aos honestos?”, questiona.
Segundo Brito, o objetivo principal do documento enviado ao governo é mostrar que nenhuma dessas ações precisa que sejam criadas novas leis, medidas provisórias ou decretos. “Todas as ações são partes integrantes do ferramental do Brasil. É apenas um pedido para que a nossa lei seja seguida e cumprida”, afirma.
Apesar de o texto pedir a suspensão de todos os processos de regularização fundiária de imóveis com desmatamento após julho de 2008, o presidente da Abag destaca que a coalizão não é contra a regularização fundiária em si. “Somos a favor, mas com prioridade para quem cumpre a lei. É o Código Florestal quem diz isso, esse é o modelo”, diz.
Ele destaca, ainda, que mais de 100 mil produtores podem ser regularizados desde 2009, mas até hoje nada foi feito. “Apoiamos totalmente. Não é preciso fazer regularização fundiária para desmatamento, mas é necessária para fazer desenvolvimento”, frisa.
Em outro ponto, a Coalizão Brasil pede “total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação”. Sobre isso, Brito lembra que abrir novas áreas sem autorização do órgão competente é crime. “Não pode-se desmatar qualquer área, mesmo dentro do limite do código [florestal], sem autorização”, pontua.
Para finalizar, o dirigente defende que não se trata de uma moratória. “Se a gente olhar o Plano Safra deste ano, quem estiver de acordo com o Código Florestal terá benefícios sobre aqueles que não estão. Então vamos dizer que o governo está fazendo a mesma coisa [aplicando uma moratória] ao dar benefício para quem está legal?”, diz.
Resumo das propostas
- Retomada e intensificação da fiscalização, com rápida e exemplar responsabilização pelos ilícitos ambientais identificados;
- Suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas e responsabilização por eventuais desmatamentos ilegais;
- Destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável;
- Concessão de financiamentos sob critérios socioambientais;
- Total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação;
- Suspensão de todos os processos de regularização fundiária de imóveis com desmatamento após julho de 2008
Veja as propostas na íntegra:
1) Retomada e intensificação da fiscalização, com rápida e exemplar responsabilização pelos ilícitos ambientais identificados
Para retomar e intensificar ações de fiscalização é necessário apoiar e ampliar o uso de inteligência e expertise do Ibama, ICMBio e Funai, visando à responsabilização pelos ilícitos ambientais por meio da punição ágil, ampla e eficiente dos infratores. Nesse sentido, é importante o pleno cumprimento da lei vigente, incluindo a destruição no campo de equipamentos utilizados por criminosos ambientais. O uso de tecnologia para a execução dessa ação é também de crucial importância. A retomada da Operação Controle Remoto do Ibama, implementada com sucesso em 2016 e 2017, deve ser fortemente considerada.
Justificativa da Coalizão: a atuação do Estado, em sua tarefa de fazer cumprir a lei ambiental, historicamente, tem resultado em reduções rápidas e regionais do desmatamento na Amazônia. Os órgãos de fiscalização ambiental contam com experiências exitosas. A Operação Controle Remoto, por exemplo, é eficiente na notificação remota de proprietários e posseiros rurais que desmatam ilegalmente. Notificações e embargos podem ser realizados de forma simples e quase automaticamente, cruzando os dados de desmatamento com as informações de bancos de dados oficiais, como: Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SICAR) ou registros de Posse de Terras (que permitem a identificação do detentor da terra) e Autorizações de Supressão de Vegetação (ASV). Já existem mais de 70 mil laudos disponíveis que aplicam essa metodologia no sistema do MapBiomas Alerta, que foi desenvolvido em cooperação com o Ibama. A metodologia utilizada nesta operação é semelhante à proposta recentemente pelo Ministério da Agricultura para a regularização fundiária na Amazônia, tema ainda mais complexo que o embargo remoto às áreas desmatadas ilegalmente e a responsabilização dos infratores.
2) Suspensão dos registros do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que incidem sobre florestas públicas e responsabilização por eventuais desmatamentos ilegais
Proceder à suspensão imediata, na base de dados do cadastro (Sicar), dos registros sobrepostos às áreas de florestas públicas (unidades de conservação, terras indígenas, florestas públicas não destinadas etc.) listadas no Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP) do Serviço Florestal Brasileiro.
Justificativa da Coalizão: de acordo com a lei 11.284 de 2006, as florestas em áreas públicas somente podem ser destinadas para o uso sustentável mediante alocação para áreas protegidas (terras indígenas, Unidades de Conservação etc) e de uso comunitário (como territórios quilombolas) ou para concessão florestal por meio de licitação. Os registros de CAR que incidem sobre as florestas públicas são, portanto, irregulares e devem ser suspensos até que seja retificado ou cancelado do Sicar.
Há mais de 11 milhões de hectares em CAR declarados sobre florestas públicas que acabam sendo utilizados para legitimar processos de grilagem. Classificar esses registros do CAR, sobre florestas públicas, como “suspensos” permitirá que todos os atores do setor público e privado façam clara distinção destes registros daqueles classificados como “pendentes”, que seriam passíveis de aprovação ou confirmação pelo sistema. Tal alteração permitirá, ainda, que os declarantes de CAR sobre florestas públicas sejam responsabilizados pelos eventuais desmatamentos ilegais que ocorrerem na área cadastrada.
3) Destinação de 10 milhões de hectares à proteção e uso sustentável
Selecionar, num prazo de 90 dias, a partir do Cadastro Nacional de Florestas Públicas, de uma área de 10 milhões de hectares que possa ser designada como área protegida de uso restrito e de uso sustentável em regiões sob forte pressão de desmatamento.
Justificativa da Coalizão: uma ação de destinação de um volume de florestas como o proposto poderá ter, de imediato, três resultados: 1) sinal claro aos grileiros de que há ação governamental em curso e que a invasão de terra pública não será tolerada; 2) já se demonstrou cientificamente que a criação de áreas protegidas resulta em queda generalizada das taxas de desmatamento amazônico e proteção florestal permanente; e 3) a redução das emissões por desmatamento e manutenção dos estoques de carbono. Foi o caso, por exemplo, da criação de 24 milhões de hectares de áreas sob proteção na região da Terra do Meio, no Pará. Cerca de 40% da queda nas taxas ocorridas entre 2005 e 2008 são atribuídas à destinação dessas áreas.
4) Concessão de financiamentos sob critérios socioambientais
O Conselho Monetário Nacional (CMN) deve exigir que as instituições de crédito rural e agrícola adotem práticas e critérios mais rigorosos de checagem de riscos ambientais, como a comprovação de ausência de ilegalidade nas propriedades, incluindo a conferência do CAR e demais requisitos relacionados ao cumprimento do Código Florestal e à sobreposição em terras públicas.
Quando observados CAR com desmatamento posterior a julho de 2008, as operações de crédito devem ser bloqueadas até que o responsável pelo CAR apresente à instituição financeira a autorização de supressão de vegetação emitida pelo órgão responsável para o local desmatado que seja válida para o período quando aconteceu o desmatamento. Propriedades que tenham desmatado além dos limites do Código Florestal, antes de julho de 2008, devem informar adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e apresentar à instituição financeira um plano de recuperação do passivo ambiental.
Justificativa da Coalizão: ações mais exigentes (associadas ao devido cumprimento da legislação) para a concessão de crédito já demonstraram bons resultados no passado na coibição do desmatamento ilegal em áreas privadas.
5) Total transparência e eficiência às autorizações de supressão da vegetação
Os órgãos estaduais de meio ambiente devem tornar públicos os dados referentes às autorizações de supressão de vegetação. Para tanto, tais autorizações devem ser compartilhadas no Sinaflor. Ainda, o governo federal deve suspender a controversa instrução normativa do Ministério do Meio Ambiente (IN 3 de 2014) que limita o acesso a informações críticas à identificação (CPF ou CNPJ) dos responsáveis pelo CAR que estão ligados ao desmatamento e que, claramente, conflita com a Lei de Acesso à Informação e com outros marcos legais associados à transparência.
Justificativa da Coalizão: a transparência das informações ajuda a diferenciar os produtores que estão atuando dentro da lei daqueles que agem de forma ilegal. Tal ação resulta em dois benefícios básicos: o reforço positivo de produção legal e livre de desmatamento e o exercício de monitoramento e identificação pela sociedade, setor privado e órgãos de controle de desmatadores ilegais. Neste sentido, a transparência para a identificação do detentor do CAR é fundamental para a seleção de agricultores que atuem na legalidade e exclusão dos ilegais, por parte de atores do mercado.
6) Suspensão de todos os processos de regularização fundiária de imóveis com desmatamento após julho de 2008
Suspender todos os processos de regularização fundiária de áreas desmatadas irregularmente após julho de 2008 até que as áreas estejam plenamente recuperadas. Quem desmata em área não regularizada comete crimes ambientais e não deve ser beneficiado com a regularização fundiária.
Justificativa da Coalizão: a grilagem de terras públicas é um dos principais vetores de desmatamento. Ao cessar os processos de regularização dessas áreas corta-se o principal estímulo à grilagem e, por consequência, ao desmatamento.