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Mercado e Cia

Soja: Bunge impõe moratória do Cerrado a produtor do Piauí

De acordo com entidades, a exigência ultrapassa a legislação brasileira e prejudica os agricultores na hora de comercializar a produção

Em contrato de compra e venda ao qual o programa Mercado & Companhia, do Canal Rural, teve acesso, a Bunge Alimentos exige que um produtor de Uruçuí (PI) garanta que a soja fornecida não tenha origem em áreas desmatadas após julho de 2008. O fato chama atenção já que não existe uma moratória no Cerrado brasileiro, bioma em que esse agricultor está inserido.

No país, existe apenas a moratória da soja na Amazônia, pacto comercial feito em 2006 entre a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Associação Brasileira dos Exportadores de Cereais (Anec), governo e sociedade civil. O acordo estabelece o compromisso de não haver comercialização nem financiamento de soja produzida em áreas desmatadas desse bioma após julho de 2008, data de referência do Código Florestal.

A Abiove afirma, em nota, que a legislação ambiental brasileira é muito rigorosa e que a entidade e suas associadas não têm intenção de reproduzir para o bioma Cerrado o mesmo mecanismo de moratória aplicado à Amazônia.

Resposta da Bunge

Em nota, a Bunge informa que, como não teve acesso à íntegra do contrato e, consequentemente, à identificação do contratante a que o negócio se refere, ou mesmo à data do documento, não é possível fazer uma avaliação adequada.

A empresa afirma que, em seus contratos, há disposição pelas quais tem a intenção de garantir que a soja adquirida esteja de acordo com a moratória referente à Amazônia. No entanto, informa que seus contratos não têm a intenção de exigir ou aplicar aos produtores a moratória para áreas na região do Cerrado.

Visão do setor produtivo

O diretor-executivo da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Piauí (Aprosoja Piauí), Rafael Maschio, diz que os relatos vêm desde a safra colhida em 2019 e que o principal problema é que a trading não especifica que a moratória se refere ao bioma Amazônia, causando incerteza no produtor do Cerrado. Segundo ele, o episódio não é isolado e outros casos teriam sido relatados inclusive em difentes regiões e culturas, como o milho.

Essa ambiguidade traria dificuldades ao agricultor no momento da comercialização, afetando diretamente a margem de venda. Além disso, de acordo com Maschio, é preciso consolidar as fiscalizações, pois o produtor que se adequa às exigências tem custos maiores. Segundo o dirigente da Aprosoja Piauí, a sustentabilidade deve conciliar também a questão social e econômica, para não inviabilizar a produção.

O coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Nelson Ananias, afirma que a legislação brasileira é bastante exigente e o produtor já vem desenvolvendo e aplicando recursos para adequar sua produção. Estender a moratória ao bioma Cerrado, estando dentro da Amazônia Legal ou não, parece arbitrário, na avaliação dele, e vai contra o processo de desenvolvimento sustentável, uma vez que as metas contra o desmatamento estão sendo cumpridas.

Ananias indica que a CNA está trabalhando para que não haja restrição no bioma Cerrado, desde que os produtores cumpram as exigências legais atuais.

Importância da agricultura para Matopiba

Marcos Jank, pesquisador sênior de Agronegócio Global do Insper, afirma que o Cerrado do Matopiba (região formada por áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) é um território de desenvolvimento recente e tardio do agronegócio brasileiro.

“Essa região pode se tornar um polo de exportação, com agricultura de alta tecnologia e saída direta pelos portos do Norte, ou pode ficar parecida com algumas áreas da África, onde existe agricultura de subsistência, que vai acabar desaparecendo por conta da saída das pessoas”, diz.

De acordo com Jank, os municípios em que há exploração da agricultura apresentam Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) bem mais altos do que aqueles que têm apenas pecuária. Além disso, as cidades com ambas as atividades possuem índices maiores que a média dos municípios brasileiros. “A agricultura traz um aumento de renda que, para essa região, é altamente necessário. Talvez seja a única alternativa econômica, de fato”, diz.

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