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Abandonados à própria sorte

Série especial do Canal Rural mostra situação da extensão rural em Minas Gerais e São PauloAgricultores familiares do Vale do Jequitinhonha, já perderam até mesmo gado por falta de assistência técnica. Numa das regiões mais pobres de Minas Gerais, encontramos apenas funcionários administrativos para receber os produtores.

Visitar o escritório da Emater uma vez por semana também faz parte da rotina de Clerismar Damaceno Silva. O motivo é bem simples: ele tem esperanças de voltar a produzir leite e quer saber quando vai chegar o técnico que poderá lhe ajudar. O gado de leite ficou doente e, sem orientação, tratou por conta própria. Não deu certo.

– Tive que me desfazer do rebanho. Tô com este gadinho de baixa qualidade que não produz quase leite, precisando retomar o meu negócio. Fico com medo de retomar porque não tenho ninguém para me dar uma orientação e dar uma firmeza de que vou recomeçar sem os mesmos problemas que tive antes.

Clerismar mora no município mineiro de Rubim, no Vale do Jequitinhonha. Mas poderia morar em quase qualquer outro município brasileiro. A história da maior parte dos pequenos e médios produtores rurais do país é a mesma: vivem sem assistência técnica e extensão rural (Ater).

De acordo com o último censo agropecuário da agricultura familiar, o Brasil tem 4,3 milhões de estabelecimentos distribuídos em 80 milhões de hectares. O mapa da agricultura familiar mostra que a maior concentração está no Nordeste, com 2,1 milhões de propriedades. Em seguida vem a região Sul – onde estão os melhores serviços públicos de Ater – com 849 mil estabelecimentos. A região Sudeste, retratada na série de reportagens que começa nesta segunda, dia 23, tem 699 famílias de pequenos produtores rurais, distribuídos em 12 milhões de hectares.

– Nós que moramos aqui na zona rural, a gente enfrenta sérios problemas por falta de conhecimento. Porque o conhecimento das pessoas da região é pouco e os órgãos que poderiam auxiliar não têm gente capacitada para poder dar este suporte. Aqui pra nós a Emater é inoperante, a gente procura e não tem técnico para dar assistência pra gente – reclama Clerismar.

O escritório da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) no município de Rubim, quase na divisa com a Bahia, está há mais de um ano sem o técnico responsável pela assistência aos agricultores. As portas só estão abertas pela secretária, Eloíza Ramalho, que chegou em maio passado.

– É difícil, porque eu tenho vontade de fazer as coisas mas sou impedida pela minha função. Eu trabalho na área administrativa – angustia-se a secretária.

Sem poder contar com a Emater, Clerismar recorre ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais do município, que pouco pode fazer pelo agricultor, como explica a presidente da entidade, Elita dos Nascimento Pereira.

– Fico chateada com isto. A Emater lá de Belo Horizonte abre escritório simplesmente para dizer que tem. Abre e deixa o elefante branco sem técnico. E quando tem técnico, não tem nem condição de trabalho. Na maioria das vezes nem um computador que presta eles têm para o trabalho – diz Elita.

Histórias repetidas

Em Jordânia, outro município do Vale do Jequitinhonha, a situação se repete. Encontramos apenas a secretária em um escritório que já teve cinco funcionários. Não há previsão de chegada de um novo técnico.

– Tem aquele agricultor que vem toda semana e quer saber que dia o técnico vai chegar – conta a secretária da unidade, Maria Gorete Gomes Machado.

O agricultor Jovelino Felizardo da Cunha sente as consequências da falta de assistência. Quando estivemos em sua propriedade, ele havia arado a terra onde ia plantar capim para o gado. Ele queria assistência para esclarecer dúvidas que poderiam melhorar e muito o desempenho do solo.

– Precisava um técnico para falar se precisa fazer uma análise de solo, jogar um adubo, plantar corretamente pra produzir mais talvez. Mas vou plantar assim mesmo, do jeito que tá aí. Já arei a terra, a chuva caiu, vou plantar – conforma-se o produtor.

Em Jordânia, quem quebra o galho é o diretor de Formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, André Sales.

– O nosso município é basicamente formado por agricultores familiares e a gente tem uma dificuldade muito grande com assistência técnica. Hoje a gente não tem nenhum órgão, nem público e nem privado, que dê assistência técnica, então o Sindicato se vira como pode – conta Sales.

O problema, com frisa Sales, é o potencial produtivo perdido.

– A gente continua num amadorismo muito grande por causa da falta desta assistência técnica. Não otimiza nossa produção e não gera renda, é um prejuízo muito grande para o município e para os agricultores em geral.

Apesar de ser uma das regiões mais bonitas de Minas Gerais, o Vale do Jequitinhonha é também uma das mais carentes. Caracterizada basicamente por pequenas e médias propriedades, a extensão rural deixa a desejar em toda a região. No próprio escritório regional da Emater-MG de Almenara, responsável por 24 cidades, a situação é precária.

Lá, a sede da Emater estava em uma casa cedida pela prefeitura, que também abrigava os escritórios do Ministério da Agricultura e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos tiveram que sair porque a residência estava desabando.

O diretor financeiro do Sindicato dos Trabalhadores em Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Sinter-MG), Lucio Passos, explica que há falta geral de técnicos no estado e os poucos que ainda estão nos municípios trabalham sobrecarregados. Isso num estado onde 70% da produção vem da agricultura familiar.

– A Emater-MG atende 790 municípios com um quadro de 1,4 mil funcionários. É um número pequeno para atender a demanda, há uma verdadeira de sobrecarga de trabalho. Hoje a maioria dos nossos escritórios locais conta com um funcionário para poder atender, uma secretária cedida pela prefeitura e um técnico da Emater para atender todo o município – relata o dirigente sindical.

Segundo dados da própria Emater-MG, existem aproximadamente 800 mil famílias de pequenos agricultores em Minas Gerais. Apenas 53% desse total é atendido pelo serviço público de assistência técnica, que conta com 2055 funcionários.

Enquanto isso, produtores como Clerismar seguem trabalhando e sustentando suas famílias na base da tentativa e erro. Sem a produção de leite, o agricultor experimenta plantar palma forrageira, para alimentar o gado. Ele gostaria de ter um técnico que lhe dissesse qual a variedade mais apropriada e a maneira correta de plantar. Mas experimenta, mesmo assim.

– Neste mundo globalizado, todo mundo tá querendo buscar o primeiro mundo e nós estamos no submundo. O mundo tá evoluindo e eu to regredindo na escala. Não, não era para estar neste ponto – lastima o agricultor.

O que diz a Emater-MG

A Emater-MG informou que possui 32 Unidades Regionais e 5 Unidades de Educação Ambiental/Centros de Treinamento. Segundo dados enviados pelo órgão, existem 789 municípios conveniados com escritórios e equipes técnicas da empresa, uma cobertura de 93% dos 853 municípios do estado. Em 2004, o número de escritórios era de 654 municípios conveniados.

O quadro atual conta com 2055 funcionários, em 2004 eram 1848 funcionários. Em 2013, 36 funcionários solicitaram o desligamento da Emater, e até setembro de 2014, outros 31 funcionários pediram o desligamento, por motivos de aposentadoria ou não. Além disso, de agosto de 2013 a junho de 2014, outros 84 funcionários aposentaram na Emater pelo Programa de Demissão Voluntária. O último concurso realizado pela Emater foi em 2005, com a contratação de aproximadamente 350 funcionários.

Depois que nossa equipe passou pela cidade de Rubim e registrou a falta do técnico, a Emater-MG designou um profissional para o escritório do município. Em nota, a Emater esclarece também que o município de Jordânia deverá ter um profissional para fazer o atendimento semanal aos produtores. O órgão também está preparando um concurso público para a contração de pessoal.

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