O ano de 2016, tido como um ano de turbilhão político, foi marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff, mudanças de governo, escândalos de corrupção e manifestações populares. O ano teve inicio com atenções voltadas à Câmara dos Deputados. Em abril, ela foi palco da votação em favor do prosseguimento do processo de afastamento da ex-presidente da República. Nas ruas, o movimento foi de manifestações a favor e contra a decisão.
À frente da classe agropecuária, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) organizou um protesto que levou 20 mil produtores à Esplanada dos Ministérios em apoio ao impeachment. “Nós estávamos marchando contra um país incontrolável e a CNA entendeu que, por pressão dos produtores, pressão da base, tinha que se manifestar”, disse João Martins, presidente da entidade.
Com 367 votos a favor e 137 contra, a Câmara aprovou a continuidade do impeachment, que chegou ao Senado em maio, quando Dilma Rousseff foi afastada temporariamente, e o vice Michel Temer assumiu o cargo como interino. Temer mudou todo o primeiro escalão do governo, dando posse a 24 novos ministros, entre eles, envolvidos com a operação Lava Jato. Na ocasião, ele declarou urgência em salvar o governo.
“Partidos políticos, lideranças, entidades organizadas e o povo brasileiro hão de emprestar sua colaboração para tirar o país dessa grave crise em que nos encontramos”, disse.
Em julho, ainda como presidente interino, Temervisitou a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para formalizar apoio à bancada ruralista, que aprovou quase por unanimidade o impeachment de Dilma, algo que ocorreria um mês depois, já no fim de agosto.
O Senado então aprovou o impeachment, mas manteve os direitos políticos de Dilma Rousseff, permitindo sua recandidatura em 2018. A ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, senadora pelo PMDB-TO, posicionou-se contra a decisão e a favor da ex-presidente, recebendo críticas do setor. “Não fui eu que mudei de lugar. Michel Temer foi vice da Dilma por duas vezes. Eu apoiei essa chapa. Quase que nós perdemos e não tinha coligação com Dilma, porque grande parte do PMDB, que hoje apoia o Temer, não queria que ele fosse o vice-presidente e hoje estão aí usufruindo de um governo que eles não ajudaram a eleger”, afirmou ela.
Na noite de 31 de agosto, Michel Temer assumiu a presidência definitivamente, com um pronunciamento em rede nacional de televisão, onde declarou: “Tenho consciência do tamanho e do peso da responsabilidade que carrego nos ombros. E digo isso porque recebemos o país mergulhado em uma grave crise econômica: são quase 12 milhões de desempregados e mais de R$ 170 bilhões de déficit nas contas públicas. Meu compromisso é o de resgatar a força da nossa economia e recolocar o Brasil nos trilhos”.
No discurso que antecedeu sua saída do Palácio da Alvorada, Dilma Roussef, no entanto, frisou sua indignação com a decisão, que considerou um verdadeiro golpe à democracia. “O Senado Federal tomou uma decisão que entra para a história das grandes injustiças. Os senadores que votaram pelo impeachment escolheram rasgar a Constituição federal, decidiram pela interrupção do mandato de uma presidente que não cometeu crime de responsabilidade. Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar”.
Tido como um dos principais agentes do fim do governo Dilma, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, foi afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no mês de maio, sob alegação de atrapalhar as investigações da Lava Jato. Depois disso, a situação do parlamentar piorou: em setembro, ele teve o mandato cassado pela Câmara e, em outubro, foi preso pela polícia federal. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros, comprovou força política ao conseguir manter-se no cargo mesmo após descumprimento da ordem judicial que determinava seu afastamento pelo fato de tornar-se réu na Lava Jato. Ele foi absolvido pelo plenário do STF dois dias após a denúncia.
Crise ética
Para o cientista político Valdir Pucci, o ano de 2016 foi o começo de uma discussão sobre como fazer política no Brasil. “Poderíamos dizer que o ano acabaria com essa situação política, caso tivéssemos resolvido nossa crise ética. Mas estamos longe de resolvê-la. Acredito que 2017 será um ano tão ou ainda mais agitado que 2016. E em vários aspetos”.
Muitos deles, segundo Pucci, atrelados às reformas que Miguel Temer propôs ao governo. Ponto polêmico, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos por 20 anos já foi aprovada na Câmara dos Deputados, causando insatisfação na população, que foi novamente às ruas para se manifestar contra a medida. No dia da votação da PEC em primeiro turno no Senado, a Esplanada dos Ministérios foi tomada por estudantes. Outro ponto complexo proposto pelo governo Temer foi a reforma da Previdência, que fixa a idade de aposentadoria em 65 anos.
Na opinião de Pucci, a situação do governo é delicada. “O presidente Temer se divide entre dois aspectos. Ou ele apoia os parlamentares em muitas medidas contrárias ao interesse da sociedade, ou ele fica com a sociedade e vai contra o Congresso. O que temos aí é a tradicional faca de dois gumes, ou seja, o presidente vai ter que se equilibrar muito entre sociedade, interesses sociais e interesses do Congresso nacional. Se ele conseguir, existe a possibilidade de terminar o mandato”, disse.
Tamanha instabilidade política agravou a crise econômica, segundo o economista Roberto Piscitelli. Segundo ele, as reformas desenhadas pelo governo não resolvem o problema e a tendência é que o Brasil viva uma longa fase de recessão. “Já é o terceiro ano de recessão que vivemos e, provavelmente, terão muitos outros. As projeções se alteram sucessivamente no sentido de jogar mais para a frente o início do processo de recuperação. Esse é o aspecto mais centrado na esfera econômica. Não se fazem milagres, não é a mudança de governo, muito menos com a atual composição, ao meu ver, que vão trazer as mudanças tão desejadas e duradouras”.
Boas projeções
A instabilidade política afetou o setor agropecuário, que, embora termine o ano com números menores do que em 2015, tem projeções oimistas quanto a 2017. O presidente da FPA, deputado federal Marcos Montes (PSD-MG), que deve se candidatar à presidência da Câmara no ano que vem, é otimista quanto ao ano que se inicia. “Acredito que o produtor irá trabalhar com mais tranquilidade em 2017, porque ele já trabalha, em muitos casos, sem ajuda do governo. Claro que insegurança jurídica, somada à insegurança ligada a área ambiental e à área trabalhista têm trazido muitos aborrecimentos e falta de tranquilidade ao produtores. Mas acredito que possamos avançar significativamente nessas pautas”, afirmou .
Temos de acreditar no governo, do contrário o país pode perder o rumo
Para o presidente da CNA, João Martins, independentemente dos rumos da política, o apoio ao governo Temer deve continuar ocorrendo. “Nós temos de acreditar no governo, porque, se não acreditarmos, o país pode perder o rumo. Se algumas coisas precisam ser ajustadas, nós vamos ajustar com o tempo, mas, com certeza, a orquestra de Temer e seus ministros é mais afinada. São pessoas que conhecem as coisas, que pensam como nós. Vejo um ano melhor pela frente”.