A extinção da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) deixou um rastro de incertezas na Bahia. O governo promete implantar um novo modelo de extensão rural, em que o Estado coordena a política, mas não executa mais a assistência em campo. A justificativa é a incapacidade do Estado de manter uma estrutura grande e complexa em funcionamento, como prova o sucateamento das unidades da EBDA.
Para conferir essa situação visitamos o escritório de Muritiba. Lá encontramos uma situação dramática: além do abandono, falta informação sobre as mudanças que estão acontecendo. O agricultor Aílton Mathias da Silva, acostumado a utilizar o serviço público de assistência técnica, não sabia da extinção da EBDA. Foi informado pelo funcionário da unidade, no dia em que estivemos lá. O agricultor não sabe fazer o projeto para dar entrada no financiamento rural. Eram os técnicos da EBDA que davam essa assistência a ele.
– A gente vem certo que vai ser atendido, chega aqui e recebe uma notícia desta. A EBDA está extinta. Como fica o agricultor? A gente fica perdido, não sei nem lhe responder como é a que a gente vai ficar – lamenta Silva.
O diretor jurídico do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Área Agrícola do Estado da Bahia (Sintagri), Reinaldo Sobrinho, afirma que a situação que acompanhamos em Muritiba se repete por todo o estado.
– Se conversarem com outros agricultores vão ver o desespero que eles estão. Quem vai fazer a Declaração de Aptidão ao Pronaf? Quem vai fazer crédito rural? Planejamento e acompanhamento da propriedade junto com ele? – questiona Sobrinho.
O escritório da EBDA de Muritiba a tantos 130 quilômetros de Salvador chegou no limite. Desde setembro os funcionários trabalham sem internet, o único veículo não sai da garagem há cinco meses porque o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não foi pago e falta de combustível. Para completar, o aluguel está atrasado há um ano.
Na regional de Feira de Santana, uma das maiores do estado, também encontramos vários veículos velhos, abandonados no meio do mato. Os mais novos, que ainda poderiam ser utilizados, não circulam porque estão sem o IPVA em dia. Quem depende da assistência, sente a falta do técnico no campo.
– A EBDA tinha uma equipe técnica de pessoas comprometidas com o melhoramento do homem do campo. Onde estas pessoas tinham recurso dos convênios, se deslocavam ao campo, tinha assistente social, prestava um bom trabalho esclarecendo ao homem do campo a evitar prejuízo, ter menos custo, ter comercialização – conta outro agricultor, Francisco de Jesus Rodrigues.
O secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia, Jerônimo Rodrigues, garante que o novo modelo de pesquisa e extensão rural, agora nas mãos de organizações não-governamentais e federações gerenciadas pela Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), tem tudo para dar certo.
– Já existe um nowhow dos profissionais destes movimentos sociais, do MST, Fetag, Fetraf, que têm domínio disto. Nós temos uma capilaridade qualificada na ponta das organizações dos trabalhadores, movimentos sociais do campo, movimento sindical. A gente sai na frente no sentido de qualificar e ampliar os serviços de assistência técnica no Estado da Bahia – afirma Rodrigues.
Mas o modelo é questionado por quem trabalha na área. O diretor jurídico da EBDA, Reinando Sobrinho, acredita que a nova forma de prestar assistência técnica e extensão rural vai precarizar o serviço, pois o Estado não tem como garantir a qualidade dos profissionais que serão contratados pelas organizações não-governamentais.
– O Estado está contratando ongs que contratam funcionários de forma precarizada apenas para atender as chamadas públicas. São contratos de um a dois anos nos quais certamente estas pessoas não vão ter o compromisso de quem tem um concurso no Estado e sabe que seu trabalho vai durar 40 anos – aponta Sobrinho.
O procurador do Ministério Público do Trabalho Bernardo Guimarães também questiona a qualidade do serviço terceirizado. Além disso, ele considera as demissões um desperdício de dinheiro público.
– Sabemos que o Estado pretende passar esta atividade para entidades privadas, fundações, ongs, e não sabemos a qualidade e os critérios que serão utilizados. Eu entendo que se trata de um enorme prejuízo para sociedade. Estes técnicos e servidores da EBDA foram qualificados ao longo de muitos anos com dinheiro público, muitos são mestres, doutores, especialistas em suas áreas respectivas. O próprio Estado teve um aporte financeiro na qualificação deste pessoal. Em última instância podemos entender que com estas demissões, o dinheiro público está indo para o ralo – reflete Guimarães.
O secretário de Desenvolvimento Rural, Jerônimo Rodrigues, defende o modelo.
– Não estamos apenas extinguindo a EBDA. Estamos fortalecendo um sistema, melhorando, aperfeiçoando o sistema de assistência técnica e extensão rural na Bahia – acredita o secretário.
Jerônimo Rodrigues explica que a A Bahiater foi concebida com a estrutura necessária fiscalizar e acompanhar as demandas. Para isso, o governo vai abrir editais e articulação com empresas, ongs e prefeituras para criar uma rede de assistência técnica. A previsão é de que as chamadas sejam feitas ainda em abril. Além disso, Rodrigues informa que o Estado já tem convênios de dois a três anos com várias entidades.
– Estes convênios continuarão rodando, então não tem uma transição vazia, ela vai ter um recheio, um aperfeiçoamento e ampliação das chamadas que existem e já estão rodando.
Pontas soltas
Mesmo assim, ainda há muita incerteza sobre o futuro do serviço na Bahia. O presidente do Sintagri, Jonas Dantas, questiona o destino do programa de distribuição de sementes, por exemplo, até então executado pela EBDA. Anualmente, são distribuídos 15 milhões de quilos de sementes.
– Se a EBDA não está mais no processo quem fará isto? Como o governo fará com que este procedimento operacional aconteça? Esta é uma resposta que o Estado da Bahia, através do seu governo tem que dar a população que precisa, que necessita destas sementes para desenvolver as suas atividades produtivas.
Um dos exemplos mais significativos do abandono em que se encontram a extensão rural e a pesquisa talvez seja a Fazenda Mocó. Pertencente ao governo do Estado da Bahia, durante décadas ela foi um centro de referência na formação de pecuaristas e também no desenvolvimento genético. Hoje é um acampamento de sem-terras.
Aos poucos, as atividades da fazenda foram sendo deixadas de lado, até ela ser invadida pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Todo trabalho dos pesquisadores e extensionistas hoje foi substituído hoje pelo acampamento. Outras cinco fazendas da EBDA também estão invadidas. Com a extinção do órgão, o governo pretende repassá-las para universidades e institutos federais.
O secretário de Desenvolvimento Rural diz que há uma proposta do governo para que as fazendas sejam dirigidas por universidades e centros de pesquisa. Mas não informou como as famílias que hoje ocupam as propriedades serão retiradas de lá.
Edição de Gisele Neuls