Não houve ajuste fiscal. A consequência é um dos piores períodos para a economia brasileira em 20 anos. Segundo analistas, diversos fatores contribuíram para que em 2015 os índices domésticos tenham se tornado negativos e o país tenha enfrentado o rebaixamento da nota de crédito por duas agências de classificação de risco internacionais. Mas foi da política o maior atraso.
Em janeiro, tudo começou com expectativa de estabilidade para a economia brasileira. O respeitado economista Joaquim Levy até tentou levar adiante um plano enxuto de ajuste fiscal, mas esbarrou no momento político completamente desfavorável.
“A instabilidade política tirou a capacidade do governo de reação. A gente teve um governo que tentou no começo do ano uma agenda de ajustes, uma agenda de austeridade, mas que estava numa direção contra aquilo que foi a discussão durante a campanha”, lembra a também economista Zeina Latif.
Para ela, no entanto, não dá para colocar toda a culpa só na política: “Teve de fato pouca convicção do governo com relação à necessidade de ajuste e o que aconteceu é que no meio do ano a gente já tinha um ministro da Fazenda enfraquecido, isolado, sem conseguir levar adiante a sua agenda, sofrendo derrotas sistematicamente”.
Com a desaprovação no Congresso de medidas importantes, como a MP 694 – que faria o governo federal economizar R$ 10 bilhões – , o mercado reagiu nervoso às tentativas frustradas de recuperação. O país acompanhou assustado à valorização do dólar frente ao real: a maior dos últimos 15 anos.
“O dólar foi artificialmente valorizado lá fora. Quando os juros ameaçam subir, isso leva a uma valorização da moeda norte-americana frente às outras. Não fomos só nós [Brasil], outros [países] também desvalorizaram [suas moedas] e o que aconteceu foi que essa situação difícil no Brasil acabou criando um déficit externo muito grande”, explica José Mendonça de Barros, analista de mercado.
Esse déficit externo pressionou a economia e, com isso, o real desvalorizou muito. Segundo Barros, parte vem de fora pela força do dólar, parte de dentro pela crise econômica que está muito marcada pela política.
Estimulados pela alta do dólar, muitos setores do agronegócio lucraram com a desvalorização do real. Apesar das baixas cotações internacionais da maioria das commodities, cadeias produtivas como a de grãos e a pecuária driblaram os altos custos de produção e fizeram da agropecuária brasileira a única atividade econômica a encerrar o ano em crescimento. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio do Brasil deve crescer 2,8% em 2015.
“Nas últimas três, quatro décadas, o agronegócio foi o único setor do país que conseguiu montar um modelo de crescimento que depende fundamentalmente de inovação tecnológica para aumento de produtividade. De tal sorte que ele consegue lidar com estrada ruim, porto que não é grande coisa e ainda assim dá resultado para o agricultor”, reforça Barros.
O analista é categórico em dizer que a indústria, no geral, está muito acostumada ao protecionismo, a favores governamentais, e usa como exemplo a construção civil. “A produtividade da construção civil hoje é menor que na década de 1990, a produtividade na agricultura é pelo menos 30% maior que 1990. Então, daí dá pra ver qual é a diferença.”
O ano difícil para a economia brasileira ficou ainda mais evidente com as constantes revisões das taxas de desemprego e das projeções para o PIB – a soma de todos os bens e serviços do país. No último relatório de mercado Focus, do Banco Central, a previsão de contração do PIB passou de 3,62% para 3,70%.
“Hoje, os economistas, na imensa maioria, ainda esperam que a gente tenha o PIB caindo no primeiro trimestre. Vários acreditam em queda no segundo trimestre e pode ser que aconteça, talvez a queda seja ainda maior do que a esperada”, diz Ricardo Amorim, economista.
Ele, entretanto, afirma que não acredita que o PIB siga “lá embaixo, na bacia das almas” por mais seis trimestres, e que não haja crescimento. “Historicamente, a gente tem quedas parecidas com as atuais, o PIB quando cai muito, cresce muito. Em outras palavras, a gente tem um ‘V’, ele desce forte e ele sobe forte. Eu acho exatamente que é o que vai acontecer”, aposta Amorim.
A economia recessiva atingiu a depressão com o rebaixamento da nota de crédito do Brasil por duas agências internacionais de classificação de risco: a Fitch e a Standard&Poor’s. Um retrocesso que, segundo os especialistas, deve causar impactos negativos por muito tempo.
“O rebaixamento é coisa para a década. Tem casos como o da Coreia. Eles conseguiram reverter a nota de rebaixamento rapidamente. Mas agora a gente pega o exemplo da nossa vizinha Colômbia, quie precisou de 11 anos em pleno boom de commodities. Então, infelizmente, vai demorar muito para a gente se recuperar”, aponta Zeina.
Assim como no final de 2014, quando Levy assumiu o Ministério da Fazenda, o último mês de 2015 foi de promessas de uma nova política econômica. Nelson Barbosa, ex-ministro do Planejamento, assumiu o desafio de propor um novo ajuste fiscal e enviar ao Congresso, já no início de 2016, a tão esperada reforma da Previdência.
Expectativa 2016
Para Zeina, entra um novo ministro em um quadro mais desafiador do que foi aquele herdado por Joaquim Levy. “Nós temos uma economia ainda mais frágil, um quadro recessivo que beira a depressão, uma inflação que vai desancorando. A gente não tem mais a mesma gordura para corte de despesa como tinha lá atrás, um quadro político difícil”, enumera a economista, apontando que o desafio de Joaquim Barbosa é grande.
Eu acho que a única maneira de mudar essa perspectiva é uma mudança política profunda, que possa trazer de volta o que de fato nós perdemos no Brasil, que é a esperança.
José Mendonça de Barros se diz cético: “Com todo o respeito ao novo ministro, eu acho que, se projetar o que vem vindo, as tendências atuais, e é o que dá no novo boletim Focus, o resultado será muito ruim”.
Para ele, o país ainda está com a demanda muito fraca, com os investimentos caindo, empresas com dificuldade. Por isso, o analista não acredita que vá haver uma melhora significativa pela troca de ministros.
Ricardo Amorim, por sua vez, avalia que, com o movimento de alta de juros nos Estados Unidos, o dólar pode chegar a R$ 4,50. “Pode até passar de R$ 4,50? Pode!”, assusta.
No entanto, ele reforça que duvida que se sustente nesse nível. “E duvido porque a R$ 3,90 o dólar já está 50% mais caro que na média dos últimos 35 anos. Ele pode subir mais na próxima semana, no próximo mês, eventualmente até um ano, mas, se a gente for considerar os próximos anos, o dólar deve cair e isso significa que o dólar subindo barateia as importações e, ao baratear as importações, mais competição no produtor local, o que segura a inflação.”