Contrabando com entrega em domicílio

Depois de denúncia do Canal Rural, Polícia Federal abre inquérito para investigar o contrabando de agroquímicos na fronteiraNa segunda reportagem da série sobre agrotóxicos ilegais mostramos a sofisticação do crime: contrabando com entrega em domicílio. Após nossa denúncia, a Polícia Federal abriu inquérito para investigar o caso.

Pela Ponte da Amizade, que une Brasil e Paraguai, cruzam diariamente 40 mil veículos e 20 mil pessoas transportando todo tipo de mercadorias. Mesmo sabendo que a fiscalização não é capaz de barrar a entrada de todos os produtos ilegais, quem for pego pode ser preso.

Para garantir a segurança dos clientes, os produtos ilegais comprados no Paraguai são entregues em domicílio do lado de cá da fronteira. Pagando uma taxa de entrega de R$ 100, o produtor recebe o contrabando sem nenhum risco.

Nosso repórter, disfarçado de produtor rural da Bahia, conseguiu nas lojas paraguaias não só a melhor negociação de preço, mas também a segurança de cruzar para o Brasil sem ter o material apreendido. E descobriu mais: o comprador nem precisa sair do Brasil, pode encomendar por telefone.

Encomendamos um quilo de benzoato de emamectina, inseticida que esteve no centro de uma polêmica na agricultura brasileira nos últimos três anos. Com a utilização liberada apenas em cinco estados brasileiros, o inseticida é considerado mais eficaz no combate à Helicoverpa armígera. A lagarta que devastou lavouras, causando prejuízo de bilhões de reais aos produtores de soja e algodão nas duas safras passadas.

Por R$ 600, recebemos um quilo do produto em frente ao hotel em que estávamos hospedados em Foz do Iguaçu, com o frete incluso. A comodidade ao cliente não para por aí. De acordo com o entregador, o revendedor paraguaio entrega o produto em grandes quantidades, de caminhão, em qualquer lugar do Brasil.

Inquérito na Polícia Federal

Após um mês investigando a rota de contrabando, levamos as imagens para o Ministério Público Federal (MPF) em Foz do Iguaçu. Uma surpresa para a procuradora Andréia Pistono Vitalino, que não sabia do esquema de entrega.

– A gente vê isso em outros tipos de apreensões, como entorpecentes, armas, munições. Com agrotóxico é a primeira vez que eu vejo – afirma a procuradora do MPF.

Andréia Vitalino lembra que o fluxo de carros e pedestres na fronteira é muito grande e o número de servidores públicos, tanto policiais federais quanto fiscais da receita, é aquém do desejado. A fiscalização, deste modo, é feita por amostragem, o que facilita a entrada de todo tipo de produtos ilegais.

– Isso é confiar muito na impunidade. É saber como funciona, qual a facilidade de entrar com este produto no país, então a pessoa se compromete a fazer a entrega sem grandes preocupações.

Depois de analisar as imagens entregues pelo Canal Rural, a procuradora da República solicitou a abertura de um inquérito na Polícia Federal, para quem entregamos toda a mercadoria comprada durante a reportagem.

O caso agora será investigado pela PF de Foz do Iguaçu, que fará análise dos produtos. Os policiais querem saber com que frequência as lojas do lado paraguaio entregam os agroquímicos no Brasil com tamanha facilidade. Em nota, a PF informou nesta terça, dia 24, que o laudo sobre os agrotóxicos que foram para análise deverá ficar pronto dentro de 30 dias. Além de ilegais, eles também podem ser falsificados.

A Lei dos Agrotóxicos prevê multas de até R$ 2 milhões para quem utiliza produto ilegal, além da destruição da lavoura. A pessoa pega comprando e/ou utilizando estes produtos ainda responde por crime ambiental e de contrabando.

Editado por Gisele Neuls

A gente vê isso em outros tipos de apreensões, como entorpecentes, armas, munições. Com agrotóxico é a primeira vez que eu vejo.

Andréia Pistono Vitalino, procuradora da República