O município de Cristalina, no leste goiano, é destaque em irrigação na América Latina, com 60 mil hectares atendidos por pivôs. Porém, o crescimento da área irrigada tem sido restringido no município pela interrupção da emissão de outorgas já há cinco anos. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a licença dada para geração de energia elétrica não permite que se disponibilize mais água da bacia do rio São Marcos para agricultura irrigada. Atualmente, o assunto está em discussão pelo colegiado atuante na região – formado por usuários, órgãos governamentais e organizações da sociedade civil.
“Houve uma reunião recente do grupo que está trabalhando com isso. A gente acredita, aqui na ANA, que essa discussão se finalize neste ano e que voltemos a liberar as outorgas da bacia do São Marcos”, afirma o coordenador de planos de recursos hídricos da ANA, Wagner Vilella.
Bento Godoy Neto, presidente do comitê do rio Paranaíba, que tenta resolver o conflito, garante que o grupo já decidiu priorizar as permissões para irrigação. A hidrelétrica Batalha, alvo da disputa, já abriu mão de 5% do volume de água concedido a ela em 2010 e está prestes a ceder mais 5%, totalizando o teto legal de 10%, volume que pode ser destinado para novas autorizações. Com isso, a capacidade de irrigação em Cristalina pode ultrapassar 200 mil hectares.
“Você põe de um lado uma usina hidrelétrica que gera em torno de em torno de 52,5 megawatts por hora, uma capacidade pequena de geração, funcionando mais como uma grande caixa d’água para abastecer outras usinas abaixo. Do outro lado: geração de emprego, renda e o PIB agrícola envolvido ali no fato de irrigação entre Unaí, Cristalina e Paracatu. Esses benefícios são muito maiores para a região que tem a vocação de agricultura irrigada”, compara.
Entre médios e grandes produtores, Cristalina tem cerca de 150 outorgas autorizando o uso da água para irrigação, mas, segundo a Associação dos Irrigantes do Estado de Goiás (Irrigo), o número de interessados em aderir ao modelo é quatro vezes maior. A ANA não confirma o número. Segundo a agência, há menos de 50 solicitações de licenças paradas.
Para a Irrigo, a saída está em um novo modelo de gestão da água, controlando o uso no período de seca e guardando no período chuvoso. “Estamos trabalhando em dois fatores importantíssimos: os reservatórios são as barragens e o próprio solo da fazenda. Se a gente diminuir drasticamente o escorrimento superficial das águas da chuva em excesso, é um grande ganho. Se melhorarmos a infiltração da chuva no solo é o grande reservatório”, diz o diretor técnico da entidade, Renato Caetano.
O produtor rural Martinho Minetto acredita nessa estratégia. O segredo, para ele, é armazenar e utilizar aos poucos na estiagem. “Fazendo barramento você tem a capacidade de manter a irrigação sem problema nenhum, sem afetar os rios. Com certeza o caminho é esse”, afirma.
A ANA alerta que a solução vai além: é preciso trabalhar em equipe. “Uma questão que nós entendemos que a bacia do São Marcos terá que começar a pensar para o futuro: esquecer um pouco do limite da propriedade quando se pensar em armazenar água. É tentar fazer barramentos entre proprietários, conjuntamente, de forma a aperfeiçoar a reserva”, defende Vilella.
A assessoria de imprensa da hidrelétrica Batalha informou que quem deliberará sobre a liberação de água é a Agência Nacional de Águas, em acordo com o operador nacional do sistema, e que a entidade apenas acata aquilo que os órgãos de controle definiram.