O avanço de projetos sobre a questão fundiária brasileira no Congresso marcaram 2015. A disputa por terras entre fazendeiros, índios e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pode estar mais perto de ter uma solução legal. Essa é a expectativa para 2016.
Mato Grosso do Sul tem um dos principais conflitos fundiários do país. Em agosto, mais de mil índios invadiram fazendas na região de Antônio João, na fronteira com o Paraguai. Durante os confrontos, um índio morreu, famílias de agricultores tiveram de deixar suas casas por se sentirem ameaçadas, o Exército interveio e até o ministro da Justiça esteve na capital do estado para tentar colocar ordem na situação e acalmar os ânimos.
“O governo estadual e o governo federal não aceitarão ofensas à lei, de qualquer natureza. Pessoas que praticarem ato de violência ou incitarem a prática de crime serão presas, serão investigadas para que se aplique rigorosamente a lei”, disse José Eduardo Cardozo.
A discussão sobre os conflitos no estado chegou até Brasília, onde o ministro da Justiça teve um encontro com o procurador geral da República. A produtora rural Maria Helena Ramos esteve na capital federal para acompanhar a reunião e relatou que teve a fazenda invadida há mais de um ano. Desde então, precisou parar de produzir.
Eu moro na cidade. Hoje, eu pago aluguel porque eu não tenho mais casa para morar. Não tenho casa e não tenho terra. Não tenho como produzir alimento, nem pra minha subsistência, nem pra subsistência do Brasil.
No Congresso, os projetos que tratam da questão indígena avançaram um tanto. Em outubro, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere para o legislativo a decisão sobre a demarcação de terras, foi aprovada na Comissão Especial da Câmara e agora aguarda aprovação no plenário da casa. A proposta agrada ao setor ruralista, mas não é vista com bons olhos pelos defensores dos direitos dos índios.
“Nós esperamos que ela seja rejeitada, que o Congresso brasileiro rejeite essa proposta, uma vez que ela não trará a solução para os problemas, ao contrário, na nossa avaliação, potencializará mais os conflitos e, portanto, não será algo positivo para os povos”, defende o diretor executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto.
Para João Pedro Costa, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), “a 215 vai provocar uma onda de protestos, um retrocesso nas conquistas dos direitos dos povos indígenas aqui no Brasil”.
Na tentativa de derrubar a votação, índios se manifestaram no Congresso, mas o presidente da Comissão Especial defendeu que o debate foi democrático. “Essas obstruções são normais… Estamos com debate com tempo, não vai poder dizer que foi no afogadilho. Fizemos tudo que lado A e lado B quiseram, tiveram tempo suficiente para apresentar destaque, alterar relatório…”, argumenta o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT).
Outro tema que rendeu muita discussão foi a PEC 71, que prevê indenização aos donos de propriedades homologadas como terra indígena a partir de 5 de outubro de 2013. A proposta foi aprovada no Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados.
“Nós não nos opomos, entendemos que os títulos de boa fé devem ser indenizados. Evidente que isso também tem que ter um devido cuidado, para que os títulos fajutos não sejam indenizados, porque isso, evidente, além de potencializar muito a questão da demanda orçamentária, também beneficiaria titulares de processos não legais”, afirma Buzatto.
Em 2015, o Canal Rural exibiu uma série de reportagens investigativas sobre a venda ilegal de terras da reforma agrária. As matérias mostraram a fragilidade do sistema do Incra e relataram fraudes em todo o país. O tema é tratado no Congresso, na CPI da Funai e do Incra, instalada em novembro e presidida pelo deputado ruralista Alceu Moreira (PMDB/RS). A principal crítica é feita aos laudos antropológicos desenvolvidos por especialistas das entidades e que determinam se terras a serem demarcadas pertencem a povos indígenas ou quilombolas.
“Os índios, eles conseguiram fazer uma organização criminosa, a partir do Cimi, a partir da Funai, a partir de um grupo, de uma parte da religião católica, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Ministério Público Federal, eles conseguiram montar um crime de laboratório, que quando o cidadão tem notícia de que a terra dele foi demarcada, ele já tem o laudo antropológico pronto. Você imagina, tem um processo feito pelo estado brasileiro que diz que a terra do João ou do Pedro vão ser terra indígena. Eles têm quatro, cinco, seis, oito anos para fazer o laudo antropológico, para buscar todas as provas que eles quiserem, e o dono da terra nunca ficou sabendo disso. Um dia ele recebe um documento da Funai, dizendo que ele é um intruso na terra que ele comprou. E ele tem que ir embora sem receber nada, só prevê benfeitoria”, explica Moreira.
Buzatto contra-argumenta: “Entendemos que é parte desse movimento, de ataque aos direitos dos povos e, nesse processo, além dos próprios povos, além dos direitos dos próprios povos, setores da sociedade e os próprios órgãos do estado brasileiro que têm essa responsabilidade têm sido objeto de ataque também. Então, é o caso da CPI da Funai e do Incra no âmbito do Congresso Nacional”.
Para o presidente da Funai “há muita distorção, por desconhecimento ou por má fé, dos trabalhos que a Funai fez e faz”. Segundo ele, os estudos que a fundação apresenta são de especialistas, de historiadores e antropólogos.
Ainda em Brasília, representantes do MST invadiram prédios públicos durante o ano, reivindicando, na maioria das vezes, reforma agrária. Mas houve também protestos pedindo a saída da ministra da Agricultura, Kátia Abreu. Já no Paraná, o movimento invadiu fazendas destinadas a pesquisas agropecuárias em Londrina e em Castro. O presidente da Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) se posicionou contra os casos.
“Acho que não é a forma mais procedente destruir a pesquisa, embora sabemos que algumas que estão sendo feitas nem sempre vem para beneficiar a agricultura familiar e o país. Há interesse enorme de grandes grupos econômicos, mas talvez nós precisemos tomar uma atitude mais severa, mais firme em outros espaços de debate, para que a gente não seja, inclusive, jogado contra a opinião pública ou contra a sociedade”, disse Alberto Broch, da Contag.
Mas um dos diretores do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) afirmou o contrário, dizendo que compreende o movimento:
“Toda manifestação é apoiada, porque entendemos como legítima. É claro que os exageros eventuais são tratados na esfera própria. Nós entendemos que a sociedade brasileira deve muito aos agricultores, especialmente os sem terra. Nós temos um contingente grande de terra que ainda não é utilizada para produção e muitos agricultores familiares, pequenos agricultores, sem terra. Então, nós precisamos resolver esse impasse”, falou João Luiz Guadagnin, diretor da Secretaria de Agricultura Familiar do MDA.