Na Argentina, a logística não é um problema. As estradas são ótimas e 80% da produção de soja está localizada a menos 400 quilômetros de algum porto. Isso permite um baixo custo com frete, que chega a ser 50% mais barato que o praticado em algumas regiões do Brasil.
Se por um lado esta eficiência logística garante vantagens aos agricultores argentinos, por outro o câmbio desvalorizado, os elevados índices de inflação e a política tributária imposta pelo governo comprometem a competitividade do setor. E, segundo as lideranças da classe produtora, dificultam, e muito, a vida de quem está no campo.
A maior insatisfação é com as chamadas “retenciones” cobradas na exportação de soja. O governo fica com 35% do valor arrecadado com as vendas. Existe ainda o imposto sobre o lucro do agricultor. Somando os dois tributos, o impacto aproximado da política fiscal chega a 39% sobre a renda originada com o grão.
O coordenador geral da Associação Argentina de Consórcios Regionais e Experimentos Agrícolas (AACREA), Jorge Latuf, explica que quando o país entrou em crise no início dos anos dois mil, o governo impôs os direitos de exportação em caráter extraordinário. A economia da Argentina dependia disso e a cobrança era de aproximadamente 10%.
De lá para cá, a taxa foi crescendo até chegar aos valores atuais. Só que agora, ele afirma, os custos também estão maiores e o impacto das “retenciones” compromete ainda mais a renda do setor.
A renda comprometida, e as incertezas quanto à economia do país e o real tamanho da safra provocaram lentidão nas vendas antecipadas de soja. Apenas 15% da produção prevista foi negociada. Muitos agricultores preferem aguardar a colheita para só depois vender a soja, quem sabe com preços melhores. Até lá, a produção pode ficar estocada em silos-bolsas, facilmente vistos nos campos argentinos. Aliás, no ano passado foram vendidos silos-bolsas suficientes para armazenar 50 milhões de toneladas de grãos. Um indicativo de que os produtores provavelmente vão continuar agindo com cautela nas negociações de soja.
– Mas isso não significa que na boca da safra ou um pouco mais adiante, não vendam. O produtor não vai deixar de comercializar no melhor momento que for para ele. Havendo produção e liquidez, vai vender – diz Fabrício Rosa, diretor executivo da Aprosoja Brasil.
Mas a baixa comercialização é usada como uma estratégia das entidades que representam o setor para tentar pressionar o governo. A classe produtora ameaça suspender as vendas de soja no final de março, caso a presidente Cristina Kirchner não reveja a política fiscal do país. O governo contra-ataca e insinua a criação de uma junta nacional de grãos.
O produtor rural e especialista em pesquisas e desenvolvimento de soja da AACREA , Ricardo Negri, explica que o vínculo entre o governo e os produtores está quebrado e que não há negociação, já que o governo não escuta os produtores. Ele torce para que o conflito não fique ainda maior e lembra que em caso de suspensão, os agricultores não vão conseguir interromper as vendas por muito tempo já que precisam de dinheiro para pagar as contas.
Em meio a toda esta polêmica, o produtor rural Aldo Lagostena segue acompanhando o desenvolvimento de uma safra marcada por dificuldades. Ele precisou replantar a lavoura de 25 hectares, que ficou alagada no fim do ano passado. Depois viu a estiagem prolongada prejudicar a plantação.
Enquanto não chega a hora da colheita, ele torce para que o governo se sensibilize com a situação de quem está no campo e para que a criação de uma junta nacional de grãos não passe de uma ameaça.
– A instauração de uma junta nacional seria um problema, já que o governo passaria a ser o único comprador da produção – diz Lagostena.
O produtor comenta ainda que na época do pai dele foi assim, apenas o Estado comprava e exportava a soja. Os produtores não tinham acesso aos preços praticados no mercado internacional. Segundo ele a situação era bem ruim.