Belas cidades, paisagens, histórias. Nos seis dias da nossa expedição pelo Meio Oeste americano, rodamos mais de três mil quilômetros. Várias visitas a propriedades rurais, conversas com produtores e muitas comparações entre a realidade da agricultura no Brasil e nos Estados Unidos. A reportagem do Canal Rural encontrou pessoas que já estão há décadas no campo e não pensam em abandonar a atividade. Como as fazendas geralmente são pequenas, é comum os próprios donos realizarem os serviços do dia a dia. Quando há funcionários, as relações trabalhistas são bem diferentes das nossas. Os trabalhadores, por exemplo, não têm direito a férias anuais. Este período é condicionado ao tempo de serviço prestado e varia de caso para caso. Além disso, as responsabilidades do empregador são bem menores do que no Brasil.
– Quanto à legislação trabalhista, nos EUA impera mais o bom senso e não há aquele paternalismo que impera no Brasil, onde empregado é totalmente protegido pelo Estado e o empregador fica com ônus e é quem realmente tem que responder caso exista algum problema. Aqui o empregador disponibiliza os equipamentos, mostra como executar as tarefas e o empregado deve – por sua conta – utilizar as coisas de forma adequada. Caso ocorra um acidente, o empregador não é penalizado por isso, o empregado é que fica com dificuldade. No Brasil é o contrário, qualquer coisa que acontece com o funcionário é o empregador quem acaba respondendo por isso – diz Fabrício Rosa, diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil).
Outra grande e conhecida diferença é a infraestrutura. É fácil entender porque os agricultores americanos gastam bem menos que os brasileiros na hora de escoar os grãos. Rodovias em condições perfeitas, hidrovias bem exploradas e ferrovias que passam em frente às plantações. Tudo isso somado à capacidade de armazenagem instalada nas próprias fazendas.
Mas mesmo diante das imensas vantagens competitivas que os produtores norte-americanos possuem, eles parecem estar muito atentos aos pontos em que são superados pelos agricultores brasileiros. Entre eles, a qualidade da soja, que é muito superior à produzida no país.
Enquanto o grão colhido em Mato Grosso pode ter até 42% de proteína e 22% de óleo, o que é produzido nos Estados Unidos tem apenas 37% de proteína e 20% de óleo. Essa diferença preocupa os americanos. O produtor rural Tim Seifert é dono de uma área experimental onde são feitas pesquisas com defensivos químicos. O agricultor acompanha o desempenho da produção brasileira e acredita que nos próximos anos os Estados Unidos vão precisar melhorar a qualidade da soja colhida por lá. Segundo Seifert, os pesquisadores querem tornar as lavouras mais produtivas, mas também buscam aumentar os teores de óleo e proteína contidos no grão.
– Como a soja brasileira tem mais qualidade, os americanos podem ser pressionados no futuro pelos mercados compradores.
O Brasil tem lugar de destaque na produção de soja, e os norte-americanos reconhecem isso e buscam informações sobre a agricultura brasileira. Em todas as propriedades que a reportagem do Canal Rural passou, foi questionados sobre a safra brasileira, previsões de aumento da área plantada e estimativas de colheita. O motivo: pela primeira vez o Brasil deve ultrapassar os Estados Unidos e se tornar o maior produtor da oleaginosa no mundo.
Para o representante da Associação Americana de Sojicultores, Stephen Censky, a troca de liderança é uma consequência da realidade distinta entre os dois países. Além da quebra da atual safra americana, o Brasil ainda pode ampliar a área das lavouras, enquanto os agricultores dos Estados Unidos não têm mais esta opção. Segundo ele, o Brasil não é mais visto como um competidor, mas sim como um aliado.
– A visão mudou porque o mercado internacional deixou de ser de oferta e passou a ser de demanda. Hoje existem compradores para os dois países e ambos podem atuar como complementares já que produzem em épocas diferentes do ano – diz Censky.
Os americanos apostam no crescimento natural da demanda por alimentos, mas já trabalham hoje para garantir espaço entre os futuros consumidores. Em um encontro do setor, o diretor da Associação dos Produtores de Soja do Estado de Iowa falou sobre algumas estratégias adotadas. Os Estados Unidos enviaram representantes a oitenta países para promover a soja, incentivando o uso do produto na alimentação humana e animal. Um dos trabalhos é na Índia, o quarto maior exportador mundial de farelo de soja.
Para o diretor do Iowa Soybean Association, Ggrant kimberley, o objetivo é ampliar o consumo de soja no mundo. Na Índia, segundo ele, a meta é incentivar a população mais jovem a consumir mais carnes, por exemplo, fazendo com que o país aumente o uso do farelo que produz, abrindo novos espaços para o grão produzido na América do Norte.
Com este olhar focado no futuro da soja, a reportagem do Canal Rural encerra a expedição pelo Meio-Oeste americano. Na bagagem, histórias, retratos de uma safra atingida pela seca e exemplos de políticas que podem ajudar a aumentar nossa competitividade. Afinal, se o Brasil vai se tornar o número um na produção mundial de soja, precisa trabalhar para superar os desafios internos, evitando que estes obstáculos possam ameaçar a conquista brasileira.
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