– Esse é o maior projeto que o país já teve de comunicação e capacitação dos produtores. Vamos discutir as questões trabalhistas, ambientais, fundiárias, de custos de produção, logística. Vamos mostrar a cara do produtor, do pequeno ao grande, educando, capacitando e fazendo um alinhamento de idéias. Hoje o produtor é um herói e temos que discutir como vamos fazer para produzir amanhã no Brasil – apontou, ao abrir o evento.
No total, serão realizados seis fóruns temáticos, em diferentes municípios pelos quais a equipe deve passar durante o projeto. Na edição desta sexta, o primeiro painel colocou em debate a polêmica NR 31. O chefe da Assessoria Jurídica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Cristiano Zaranza, defende a disseminação de informações sobre a legislação para que ela se torne aplicável ao dia a dia nas propriedades rurais.
– O agricultor, às vezes, descumpre a legislação trabalhista por desconhecimento. Deveríamos ter mais orientação para educar, corrigir e depois, se houver reincidência, aí sim punir. A NR 31 é de 2005, relativamente recente. Muitos são punidos sem entender o motivo – disse.
O presidente do sistema Famato, Rui Prado, aponta que, antes de formatar leis, é necessário conhecer as diferenças entre o trabalho no campo e na cidade. E reivindica uma revisão dos limites máximos de horas extras trabalhistas para o meio rural.
– Quando foi feita a Constituição de 1988, não foram levadas em conta as funções diferenciadas do campo. Quiseram aplicar as mesmas obrigações no rural e no urbano. Aí começaram os problemas. É comum, por exemplo, em uma colheita ou vacina de animais, precisar estender um pouco mais a jornada. O trabalhador não se recusa a fazer, mas tem que receber por isso. Queremos que as horas extras máximas sejam estendidas de duas para quatro horas. Se as partes se entenderem, a legislação não pode dizer algo que vai provocar conflito entre trabalhador e empregador – declara.
Na avaliação do superintendente regional do Ministério do Trabalho e Emprego de Mato Grosso, Valdiney de Arruda, o ponto mais importante no processo de análise das condições de trabalho é a valorização das pessoas. Reconhece, no entanto, que algumas regras específicas poderiam ser aprimoradas.
– Antes de ser criada, a NR 31 foi amplamente discutida entre a CNA, governo e trabalhadores. Precisavam ser estabelecidos padrões de regulamentação para a atividade rural e foram ouvidos os diferentes pontos de vista. Houve debates antes e foi dado o prazo de um ano para adequação. Só então, passou a valer como exigência. O Senar oferece capacitação sobre a lei, há orientação durante visitas de servidores públicos a propriedades. Se há sugestão de alterações, ela deve ser encaminhada ao Congresso. O instrumento é o diálogo. Esse é o sistema – explicou.
O presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja/MT), Carlos Fávaro, por sua vez, argumenta que há um longo caminho a percorrer para garantir a capacitação dos produtores em relação à norma regulamentadora.
– Não há má índole dos produtores. O que pode haver é desconhecimento da legislação. Queremos que os agricultores tenham com seus companheiros uma relação de ganho, benefício social, com vida melhor para ele e sua família. E que seu empregador tenha a segurança de que a lei também entenda como funciona essa relação.
Trabalho análogo à escravidão
O bom senso foi apontado pelos participantes do segundo painel do evento como melhor critério de decisão para determinar práticas que podem ser consideradas análogas ao trabalho escravo no campo. O deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC) garante que os esforços parlamentares para criar mecanismos de defesa dos trabalhadores rurais se baseiam em fatos.
– Estamos trabalhando para trazer depoimentos de produtores, do Ministério do Trabalho, empresários, trabalhadores. Queremos levar relatos do mundo real para a discussão e estamos buscando soluções. O debate é importante – disse.
– O trabalho escravo contemporâneo, com restrição da liberdade, a polêmica jornada exaustiva, que pode levar à morte, condições degradantes e outros são conflitos que temos que resolver. Buscamos o diálogo para isso. O bom senso é imperativo nas relações sociais. Nunca vi, por exemplo, uma autuação por questão de tipos de copo nos quais é servida a água dos trabalhadores. O que vi até hoje foi punição por água servida da mesma poça usada para o gado – colocou o procurador do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul e responsável pela Coordenadoria de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho (Conaete), Jonas Ratier Moreno.
Já o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), pede que seja desenvolvida uma legislação própria para a área rural.
– O campo é diferente. A soja tem período certo para colher. Depende também das condições do clima. Tem normas na legislação que não são aplicáveis no campo – complementa.
Na opinião do jornalista Mauro Zanatta, há um equívoco coletivo em relação à questão do trabalho análogo à escravidão. Ele afirma que a ideia geral no país remete automaticamente o assunto ao campo.
– A televisão reflete cada vez mais a realidade urbana. Quando se fala em trabalho escravo, ninguém pensa na indústria. Não se faz essa correlação com a área urbana, com a empregada doméstica nos centros metropolitanos. Tem que haver mobilização semelhante à que houve no caso das normas ambientais. Se os legisladores trouxerem isso para si, a bancada ruralista terá maior poder. Poderá articular melhor se aliar seus interesses aos de outras bancadas.
O Projeto Soja Brasil é uma realização do Canal Rural, da Aprosoja Brasil e do Senar Mato Grosso, com coordenação técnica da Embrapa e apoio do Senar – Goiás e Senar Mato Grosso do Sul. O patrocínio é das empresas BASF, Mitsubishi Motors e Monsanto.