Em Buenos Aires, capital da Argentina, ruas movimentadas, monumentos históricos, há espaço de sobra para o lazer em família. Mas essa aparente tranquilidade contrasta com o cenário dos campos espalhados pelo país, terceiro maior produtor mundial de soja. As lavouras do grão ocupam quase dois terços dos 32 milhões de hectares agricultáveis. E pelo segundo ano seguido sofrem os impactos provocados pelo tempo. Nossa equipe percorreu 1,5 mil quilômetros pelas províncias de Buenos Aires, Córdoba e Santa Fé, responsáveis por 76% de toda a soja produzida no país. No caminho, plantações com realidades distintas: algumas perto do ponto de colheita, outras ainda em fase inicial do ciclo. A safra está bastante irregular.
Em uma fazenda, a gente tem um exemplo claro de um dos problemas enfrentados pelos agricultores argentinos nesta safra. No segundo semestre do ano passado, justamente no período ideal para o plantio das lavouras, choveu muito em várias regiões. Muitos campos ficaram completamente alagados, o que atrasou consideravelmente o cultivo de soja. E não foi apenas isso. Muitas áreas hoje estão com este cenário, vários clarões no meio da plantação. O que prova que nem toda soja que foi plantada conseguiu resistir às condições meterológicas.
A imagem e o tamanho do estrago impressionam. A safra argentina perdeu cerca de 1,8 milhão de hectares entre áreas não plantadas por conta dos alagamentos e as que foram criticamente atingidas por quedas de granizo e uma estiagem prolongada. Aliás, a seca ainda é uma grande ameaça. Muitas lavouras tiveram que ser replantadas e voltaram a sofrer com a falta de água, que passa de 50 dias em algumas regiões. O produtor Norberto Guige plantou 400 hectares de soja. Teve problemas com o excesso e também com a falta de chuvas.
Guige explica que plantou fora de época, por causa da inundação, e que só conseguiu semear as áreas mais baixas no dia 15 de janeiro. Depois disso, ele explica, parou de chover e a lavoura não está resistindo. A produtividade deve ficar entre mil e 1,2 mil quilos por hectare, mas em alguns lotes deve colher menos de 600 quilos por hectare.
Assim como Guige, muitos devem amargar quebras de até 50% na produtividade das lavouras. Para alguns, a perda deve ser menor. Davi Bogliani plantou 400 hectares. A plantação dele está vistosa, mas há um motivo: a reserva de água no solo amenizou o impacto da seca. Mesmo assim, a produção também vai ser abaixo do previsto.
Segundo o agricultor, desde o dia 15 de dezembro não cai uma chuva de pelo menos 20 milímetros (mm) na região. E como o local é quente, precipitações de 5mm como as que começaram a cair não fazem efeito e logo evaporam. Se chover, as lavouras podem até se recuperar, mas a produtividade, ele diz, deve cair 30% em média.
Diante deste cenário, a estimativa de uma colheita recorde em torno de 53 a 55 milhões de toneladas já não existe mais. A produção deve chegar, no máximo, a 50 milhões de toneladas segundo o consultor Alejandro Vejrup. E como só voltou a chover em poucas regiões, ele explica, o volume pode ficar ainda menor.
– As plantações na Argentina estão boas, mas temos muitos problemas, muito atraso no plantio e perda da área da soja e milho. Então, agora, nós temos seca, poucas chuvas. Primeiro, no início da safra, tivemos muitas chuvas; agora temos seca. E se espera que a produtividade, a produção, não chegue a 53 milhões de toneladas, mas estamos falando em 50, 49 milhões de toneladas de soja – diz Vejrup.
A menor produção compromete a rentabilidade dos agricultores. Quase 60% das áreas de soja na Argentina são arrendadas. O custo é elevado, em média 33 sacas por hectare ao ano nas terras mais produtivas. Como no ano passado houve quebra de 22% nas lavouras, a repetição dos problemas este ano torna a situação mais delicada, segundo o coordenador geral da Associação Argentina de Consórcios Regionais e Experimentos Agrícolas (AACREA), Jorge Latuf.
Latuf lembra que os custos estão aumentado gradativamente, e que havia muita expectativa de que os produtores pudessem recuperar parte dos prejuízos do ano passado com a safra atual. Agora, ele explica, isso não vai ser mais possível.
Faltando menos de um mês para o início da colheita da safra argentina, as atenções estão voltadas para os campos do país, que também vão ajudar a definir o tamanho da safra na América do Sul.
– A gente está vendo, pelo que acompanhou da safra brasileira e argentina, que a América do Sul vai colher 10 milhões de toneladas a menos. É bastante, quase uma safra chinesa, o mundo está todo ano consumindo 10 milhões de toneladas a mais e a gente está produzindo a menos – diz Glauber Silveira, presidente da Aprosoja Brasil.