Nascido em Igarapava em 1958, interior de São Paulo, o agricultor Luiz Garcia é descendente de portugueses e espanhóis. A isso atribui o gênio forte impresso em seu DNA. “Fizemos uma árvore genealógica da família. É um povo muito sangue quente. Meus tios e avós brigavam um com o outro. Povo maluco”, brinca.
Seu pai, Moacir, e os tios eram agricultores e sócios. Plantavam milho e feijão. A mãe, Antônia, ajudava na colheita. Além de renda, o campo oferecia muitas alegrias para a família. Pelo menos até o dia em que um acidente de trabalho gerou grande tristeza ao matar o tio Manoel Garcia.
“Ele foi puxar um caminhão que atolou numa passagem dentro de um córrego. Estava dentro do trator, amarrou o cabo de aço no lugar errado e o trator virou em cima dele”, diz Luiz. O acidente aconteceu na fazenda Campo Redondo, no município de Buritizal (SP), em 1969.
Em 1971, o estado de Goiás estava ficando próspero na agricultura. Isso chamou a atenção dos pais de Luiz. O acidente com o tio foi o impulso final para que a família se motivasse a sair de São Paulo e rumar para o Centro-Oeste.
O agricultor lembra de pouca coisa dessa fase da sua vida. Uma das poucas memórias é o sonho infantil de tornar-se jogador de futebol. “Criava o campo de futebol no meio do pasto. Capinava e esperava o pessoal chegar.”
Luiz conta que sua memória sempre foi muito ruim, mas tenta compensar com a sua criatividade. “Na escola, os professores colocavam as notas em um placar. Em um certo dia, eu tirei tudo 10. Tirar nota era fácil, eu tinha criatividade e o jeito de estudar. Parece que eu adivinhava o que o professor iria perguntar.”
Ele diz que a memória curta é um problema que enfrenta até hoje. A situação chegou ao ponto de o agricultor evitar conversas na rua por não lembrar o nome das pessoas. Para ser produtivo e saber as tarefas do dia, Luiz anota tudo o que vai fazer em uma agenda durante o trabalho.
“Meu filho, se for para eu ficar assim, vivo e na mão dos outros, prefiro morrer”
Em seu início com a agricultura, o pai lhe dava sementes para criar pequenas hortas, despertando nele o amor pelo ofício da família. Em 1984, Luiz e o pai enfrentaram uma crise com a colheita do algodão na região. Os dois investiram no plantio de milho para enfrentar a crise e tiveram uma boa produtividade.
“O milho cultivado na área que tinha sido ocupada pelo algodão recompensou pelo baixo custo, pois o algodão deixa o solo mais fértil”, disse. Em meio a crises e ensinamentos, Luiz lembra do pai com carinho: “Ele era maluco! Um dia, ele me chamou para pescar. Nós viajamos 105 quilômetros, pulamos dentro do rio e pegamos os peixes. Meu pai preparou o almoço na beira do rio”.
O pai sofreu três infartos. Até onde foi possível, escondeu sua situação cardíaca da família. Depois do terceiro, o médico tirou as esperanças e disse que um transplante não seria suficiente e que a sua vida estava por um fio. No leito de morte, chamou Luiz e disse: “Meu filho, se for para eu ficar assim, vivo e na mão dos outros, prefiro morrer”.
Luiz foi notificado da morte do pai por telefone. Com a família, foi para o hospital, mas não permitiram a sua entrada. “Eu invadi o quarto, e o médico não me deixou ficar porque ele já tava morto. Mas eu ainda passei a mão nos olhos dele. Pensei que a graça de receber uma morte assim é maravilhosa, uma morte em que a gente não sofre.” Um dos efeitos positivos do evento traumático foi uma decisão do produtor: ele iria aproveitar mais a vida com os seus filhos. “Eu nunca queria acumular riqueza, apenas viver e passear”, diz.
A safra 2000/2001 de algodão garantiu o pagamento da graduação dos filhos de Luiz Garcia
Mais próximo, o agricultor pode acompanhar a educação dos dois filhos. Eles cresceram, estudaram e foram fazer intercâmbio nos Estados Unidos. Na época, Luiz foi criticado pela permissão para a viagem e consequente distância dos filhos. “Para estar perto, não precisa estar junto e colado”, diz. Mesmo de longe, Luiz controlou o desempenho dos filhos durante o intercâmbio. Exigia que os dois entregassem relatórios do curso de inglês.
Luiz frequentou a escola até o ensino médio e tem formação técnica em contabilidade. O agricultor lamenta não ter feito a graduação em agronomia, mas se orgulha por ter dado um caminho diferente aos filhos.
Marcus Vinícius se formou em engenharia ambiental na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e é pós-graduado em engenharia de segurança na Universidade Federal de Goiás (UFG). Após a sua graduação, elesurpreendeu a família dizendo que iria seguir a carreira de cantor e formou uma dupla sertaneja com um amigo. Mas a carreira não deu certo, e ele se dedicou à pós-graduação. Hoje, Marcus é casado e pai de uma menina, Laura, a grande alegria do avô.
Luiz Garcia junto de Lucimar (esposa) e Laura (neta)
Juliane se formou em psicologia, contra a vontade do pai, e jamais exerceu a profissão. Atualmente, Juliane mora nos Estados Unidos e é proprietária de uma empresa de prestação de serviços domésticos. Por falta de visto americano, Luiz e a esposa não foram ao casamento da filha. O pai planeja visitá-la em junho deste ano. Em um futuro próximo, Luiz considera a possibilidade de morar no exterior.
Luiz e a esposa, Lucimar, se conheceram em 1976. Os dois trabalharam na Volkswagen. Ela era balconista e ele trabalhava como controlador de produtividade. “Nós éramos amigos, mas ninguém acreditava que era só amizade”, lembra com carinho.
“Eu tenho medo que um assessor apareça na porta da minha casa e me faça uma proposta indecente”
Em 1988, Luiz começou a trabalhar no sindicato rural da cidade. Ele tentou conciliar o novo emprego com o campo, mas decidiu vender o seu maquinário e se dedicar ao sindicato: “Passei a lutar foi em prol dos produtores. Nós promovemos os cursos do Senar no sindicato”. Engajado politicamente, o agricultor trabalhou como secretário de finanças da prefeitura e prestou assessoria para um falecido vereador da pequena cidade.
“Eu quero ajudar, mas não como candidato. Eu tenho medo que um assessor apareça na porta da minha casa e me faça uma proposta indecente”, diz. Com opiniões políticas bem definidas, o agricultor vê a sua participação nos telejornais do Canal Rural como um importante ato político.
Depois que passou a entrar em contato constantemente com o canal, Luiz é reconhecido nas ruas de sua cidade. “As pessoas me param na rua, dizem que viram o meu comentário e que acham bom e importante”, orgulha-se. Luiz é bem popular em Santa Helena de Goiás (GO). Sua carreira profissional e participação política é reconhecida na cidade. “Quando eu fui abastecer o meu carro, vi vereador ‘comprado’ da oposição sair de fininho”, lembra.
O agricultor se orgulha muito ao lembrar das melhorias que foram instauradas aos agrônomos. “Assinei a carteira dos meus funcionários. Em 1991, os produtores começaram a pagar o INSS, muitos não pagaram, achavam inviável”, lembra.
A avó nasceu na Tchecoslováquia, durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi extraditada da Hungria e fugiu para o Brasil. Luiz é apaixonado por história e se encanta pela aventura que a avó passou. “Eu tinha os documentos dela, mas não foram digitalizados, talvez estejam no Memorial dos Imigrantes, mas soube que ocorreu um incêndio no museu”, disse.
Luiz sente falta das avós, as duas eram de religiões diferentes, uma era católica e a outra, evangélica da Congregação Cristã no Brasil. Elas moravam perto e brincavam com essa diferença, a avó evangélica dizia ao neto: “Você já foi na rua de baixo para lavar bunda de santo?”.