Café

‘Pequeno produtor deve investir pesado em cafés especiais’, diz analista

No Dia Internacional do Café, conversamos com especialista para saber para qual futuro caminha a produção brasileira da bebida

Foto: Pixabay

É celebrado nesta terça-feira, dia 1º, em todo o planeta o Dia Internacional do Café. Criada pela Organização Internacional do Café (OIC), a data tem como principal objetivo a reflexão sobre o futuro do setor cafeeiro mundial por meio da cooperação internacional.

O Brasil é parte fundamental dessa cadeia, já que é o principal produtor da bebida e segundo maior consumidor, ficando atrás apenas dos EUA. E foi sobre o futuro da produção do café no Brasil e no mundo que conversamos com o analista de mercado Marcus Magalhães, da MM Cafés. 

Para ele, os grandes produtores devem manter o foco no mercado de commoditie, mas para os pequenos produtores, a saída da crise deve ser o investimento no mercado de cafés especiais. Confira a entrevista exclusiva:

Foto: Fábio Santos/Canal Rural

 

Canal Rural – O cafeicultor brasileiro não vive seu melhor momento em relação ao mercado, mas, por outro lado, quem tem investido em cafés especiais tem conquistado algum lucro. Como você enxerga o futuro da produção brasileira entre commodities e produtos diferenciados? 

Marcus Magalhães: O Brasil é o maior player do mundo de café enquanto commodity. A expectativa da safra atual não é tão grande, mas continuamos com grande destaque no mercado mundial, o que faz com que tenhamos uma responsabilidade muito grande olhando os futuros abastecimentos globais, que hoje orbitam entre 170 milhões de sacas ao ano e, de acordo com grandes operadores, devam saltar para 220 milhões em 2030.

Partindo desta informação, em 11 anos o mundo vai ter que produzir o equivalente a uma safra brasileira a mais para suprir as demandas.

Quando falamos em café, temos que dividir entre commodities e cafés especiais, uma categoria que surgiu no máximo há 20 anos e vem crescendo muito rapidamente. Isso indica que o consumidor global não quer beber mais um café preto, quente e doce, e sim que ele quer algo a mais, uma bebida que tenha uma história e um sabor diferenciado.

Isso fez com que o segmento de cafés especiais ganhasse uma escala muito grande, e podemos notar isso já na gôndola do supermercado, que nos últimos anos passou oferecer uma quantidade maior de cafés especiais. 

Canal Rural – Na última década, ou nos últimos 15 anos, sentimos uma mudança significativa na oferta de cafés diferenciados. Ao seu ver, qual o papel do café em cápsula nesta mudança?

Marcus Magalhães: Ele foi essencial para que houvesse essa diversificação nas gôndolas. Foi o café em cápsula que desbravou esse mundo, mostrando que um consumidor paga o preço se ele tiver uma contrapartida de bebida boa. Depois da ‘onda’ das cápsulas, veio a onda dos cafés torrado e moído, em grãos. Acredito que há mercado para todo mundo e foi a cápsula responsável para mostrar ao consumidor final essa quebra de paradigma.

Depois disso, coube ao mundo produtivo focar nisso. Afinal, não adianta abrir ao consumidor se a produção não atende o tamanho deste potencial que só cresce. Por isso, acredito que o Brasil tenha um caminho intenso a trilhar.

Canal Rural – Ao seu ver, quem deve investir no mercado de cafés especiais?

Marcus Magalhães:  Há mercado para todo mundo, mas creio que o mercado de cafés especiais é mais indicado, neste momento, para produtores pequenos. Eles precisam se agarrar à essa “boia de salvação” e construir uma história própria, com cafés próprios.

Os grandes produtores, que possuem lavouras gigantescas, não possuem essa margem de manobra, pois é muito mais difícil fazer cafés especiais em lavouras tão grandes. Além disso, é mundo vai continuar precisando de cafés convencional.

Para os grandes, a dica é reservar um pecadinho da propriedade para fazer esse investimento. Mas aos agricultores familiares, digo tranquilamente para esquecer as commodities e investir pesado no mercado de cafés diferenciados, pois é ali que se agrega valor, onde se cria marcas próprias e onde entra dinheiro.

Canal Rural – Como funciona essa agregação de valor à uma cadeia produtiva tão consolidada como é a do café?

Marcus Magalhães: São duas vertentes distintas. A primeira delas, que todo mundo conhece, passa pela a industrialização, onde se agrega valor ao produto. Já a segunda vertente é a qualidade, pois enquanto se vende uma saca café normal no Sul de Minas por R$ 430. pode se vender um café fino por R$ 800 e um café pontuado especialmente para uma cafeteria por R$ 1.500. 

Essa questão de agregar valor está tão forte, que chegou até às commodities. Há dez ou vinte anos não se falava disso, mas hoje se a commodity não tiver qualidade, não vende. O consumidor não aceita mais beber qualquer coisa.

É importante pontuar que o aumento do consumo da bebida não tem relação com o barateamento do café e sim com a melhora na qualidade. Quando se prima pela qualidade, temos uma garantia de consumo sustentável e dinheiro no bolso do produtor.

Canal Rural – Quem quer migrar para a produção de café especial precisa se preparar de que maneira? 

Marcus Magalhães: Quando falamos em cafés finos, a palavra-chave é capricho. O produtor ao invés de derriçar a sua lavoura, ele via lá e cata a cereja. Ao invés de jogar o café no terreiro de qualquer jeito, ele faz um terreiro suspenso.

Se o produtor tiver capricho e contar com instrução de órgãos extensionistas como a Emater ou parcerias com o Sebrae ou Incaper, falando de onde eu venho, que é o Espírito Santo, a qualidade vem.

Falo do Incaper, que é a Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural, porque temos um case de sucesso na produção de cafés especiais no Espírito Santo, fruto de uma política muito vencedora de agregar valor à cadeia produtiva e criar marcas dos produtores. Hoje temos mais de 200 marcas de café do interior, de produtores pequenos, que ganham dinheiro vendendo café para o agroturismo.

O setor alicerçou agricultura familiar, agroturismo e agregação de valor. Ter o café bom é importante, mas se tiver por meio de parcerias para criar marcas, o resultado vem muito mais rápido.

Canal Rural – Como você vislumbra o futuro da produção de café no Brasil?

Marcus Magalhães: O consumo só cresce e essa é uma certeza. Por outro lado, temos a imprevisibilidade climática, que é um fator complicante. Olhando para frente, não tenho dúvida que que é um negócio bom, pois a demanda é muito elevada e ela vai continuar a crescer. Não sabemos quem vai produzir todo esse café.

O negócio café vive um momento muito difícil em função de safras um pouco maiores que tivemos e uma não tão boa administração do café no mercado, além da falta de políticas públicas que dê ao produtor uma segurança de preço.

Olhando para frente, acredito que o mundo vai se auto-regular e que teremos  ciclos muito interessantes à frente da agricultura global.

À curto prazo, acredito que o pior momento já esteja passando e a página já esteja virando. Eu não acredito em uma safra gigantesca para o ano que vem, mas teremos uma maior do que a atual. Fatores que impactam isso são, além do clima, um certo desânimo da cafeicultura.

Em 2020 vamos entrar com estoques públicos brasileiros zerados e com um dos menores estoques privados da história. Vamos ter esse sprint final de 2019 com lateralização com viés positivo. Se não tivermos uma florada boa e um veranico no início do ano, e se a safra do ano que vem for mais complicada do que ela já é, o ‘bicho pega’ e o mercado melhora.

Vivemos a iminência de um final de ciclo muito dramático, mas muito próximo da entrada de ciclos bem interessante para o preço do café. Ao que parece, no entanto, é que vamos entrar em um ciclo com preços bons e produção aquém das expectativas.