Em comemoração aos 20 anos do Canal Rural, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, conversou com exclusividade com nossa reportagem sobre as principais questões que envolvem o setor produtivo. As relações do agronegócio com o meio ambiente, demarcações indígenas e política agrícola estão entre os temas discutidos. Confira.
Canal Rural – Como produtor rural, político e ministro, qual sua opinião sobre os avanços e desafios que o campo enfrentou nesses 20 anos?
Blairo Maggi – Muitas coisas mudaram no Brasil. Os produtores rurais tinham grandes débitos, principalmente com o Banco do Brasil. Nós tínhamos políticas com muita indefinição, e o governo sempre muito lento na tomada de decisões. Os problemas iam se acumulando de tal maneira que chegava um momento em que parecia que não tinha mais solução. A agricultura é uma indústria a céu aberto, nós não controlamos tempo, temperatura, chuva, radiação solar. As nossas atividades podem sofrer muito de um ano para o outro e, quando isso acontece, nós temos problemas. Olhando de 20 anos para cá, penso que nós estamos muito mais firmes, mais determinados, há uma compreensão maior por parte da sociedade brasileira sobre a importância da agricultura e pecuária brasileiras. É um setor que tem dado certo, tem crescido apesar das crises nacional e internacional. Os preços têm caído bastante, mas os volumes de exportação têm aumentado. O Brasil é um país do agro, um país que tem dado certo, que procura novos mercados, que quer estar inserido, sabe se posicionar, sabe discutir. Eu acho que é isso que o setor agrícola espera do governo brasileiro e do Ministério da Agricultura nesse momento.
CR – Qual o posicionamento do Ministério da Agricultura em relação à lei geral de licenciamento ambiental, que está sendo desenhada em parceria com o Congresso?
Maggi – O Ministério da Agricultura tem acompanhado as discussões, mas não tem colocado a sua opinião ainda, porque o Congresso é o campo necessário para se discutir isso. Em linhas gerais, eu entendo que nós devemos ter uma legislação que seja responsável, mas que seja prática para os agricultores. Nós jamais aceitaríamos que, para cada atividade que você vai ter na sua propriedade, você vai ter um licenciamento. Isso é uma coisa impossível de ser aceita, impossível de ser realizada, uma vez que, se o produtor está plantando milho ou soja e parou de chover, se ele perder cinco ou seis dias, perdeu a janela de cultivo e tem que mudar de cultura. A proposta inicial era que cada atividade tenha um licenciamento. Nós, como governo, não damos conta de licenciar nem as coisas de longo prazo, imagina as de curto prazo. Penso que esse novo projeto tem que ser prático e rápido, e tem que dar responsabilidade ao produtor rural. Aliás, o produtor tem muita responsabilidade. Se ele der a informação errada e depois o governo for fiscalizar, ele que seja punido.
CR – Existe um embate interno no governo entre a força ambientalista, representada pelo Ministério do Meio Ambiente, e a ruralista, do Ministério da Agricultura?
Maggi – Claro que tem e é normal que tenha. O Meio Ambiente é muito mais preservacionista e nós somos da área de produção. As coisas se chocam em determinado momento, mas isso ocorre muito mais na teoria do que na prática, porque o produtor rural é ator do meio ambiente e, portanto, precisa ser ouvido. Ele não pode receber uma legislação de bate-pronto para obedecer. Caso contrário, fica inviável a aplicação dessa legislação. Nós não vamos aceitar. Temos o presidente da República para mediar isso em última instância.
CR – Qual sua posição em relação à moratória da soja no Cerrado, que está sendo proposta pelo Ministério do Meio Ambiente?
Maggi – Quando foi feita a moratória da soja na floresta, na Amazônia, eu fui um dos que defenderam a tese, junto com as ONGs, e era necessário fazer. Nós tínhamos um desmatamento desenfreado na Amazônia. Em Mato Grosso, passava de 1,2 mil hectares por ano e hoje se desmata menos de 30 mil hectares por ano no estado. Agora, no Cerrado brasileiro, nós já temos uma legislação de 35% de preservação em Mato Grosso e de 20% nos outros estados. Eu não aceitarei essa discussão vindo goela abaixo.
Nós não vamos aceitar uma moratória unilateral. Nós podemos discutir como reduzir a velocidade de abertura de novas áreas, mas o Brasil não pode abrir mão disso. Trinta e cinco por cento ou 20% no Cerrado, 80% na Amazônia, isso tudo tem um valor ambiental muito grande. Mas custa muito dinheiro para o Brasil você não abrir uma terra que tem infraestrutura de silos, armazéns, estradas, energia elétrica. Isso é muito pesado pro Brasil e ainda não recebemos nada por isso, e essa é uma das reivindicações que irei fazer na COP 22.
CR – Existe um novo modelo de seguro rural sendo desenhado pelo Ministério da Agricultura. Já existe algo concreto sobre isso?
Maggi – Eu penso que o caminho é ter um seguro de renda, onde o produtor fica assegurado na propriedade. A ideia é que todos os atores que participam da formação de renda possam participar de alguma forma. Com isso, eu não tenho dúvida de que o financiamento para a produção agrícola será intensificada não apenas pelo Banco do Brasil, mas também outros bancos e fundos poderão financiar a agricultura, porque terão uma forma de se garantir. O grande problema de financiar a agricultura é sempre “a agricultura é uma indústria a céu aberto, nós não controlamos o clima”. E se der um problema que o produtor não colha nada, ele não tem como pagar. As pessoas dizem que o produtor é rico, tem terra, tem carro. Ora, ter terra e ter carro não significa ter renda. Se você não gera caixa, não faz resultado financeiro no final do ano na sua atividade, não adianta nada o patrimônio. Só vai adiantar para vender e pagar conta. Então seguro agrícola garante geração de caixa.
CR – A Controladoria Geral da União (CGU) apresentou nos últimos dias um relatório sobre as fragilidades no processo de demarcação de terras indígenas feito pela Funai. Qual seria o caminho ideal?
Maggi – O Brasil já tem 13% do território demarcado para os índios. Para agricultura, nós temos 8% que nós usamos para plantar. Então tem mais terra para índio do que para a produção. Esse é um fato que precisa ser olhado. Daqui para a frente, se tem alguns pontos que ainda devem ser demarcados, devem seguir um rito diferente do que se vê. Hoje, são os antropólogos, os índios, a Funai e o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) que definem “queremos isso” e atropelam. Eu sou contra isso, porque cada vez que você quer arrumar a vida de algum indígena em determinada região, e principalmente no Sul do país, você vai se deparar com produtores rurais que estão há 30, 50 anos, 100 anos em cima daquela propriedade. Eu sempre defendi a tese de que as terras que sejam destinadas a índios, daqui em diante, não podem ser expropriadas do produtor rural, retirar esses produtores sem nenhum direito. Se a União quer dar terra ao índio, que compre essa terra, indenize o produtor e ele vai procurar terra em outro lugar.
CR – Uma missão de parlamentares e representantes do setor produtivo está na Austrália em busca de informações que podem embasar uma nova lei de agroquímicos. Qual seria a lei ideal?
Maggi – Temos três pessoas nessa viagem. Tenho conversado com eles todos os dias e a impressão que têm é a melhor possível. Um modelo que funciona rápido, dá segurança ao produtor, ao meio ambiente e responsabilidade para o governo. Na volta do grupo, junto com os parlamentares e entidades de produtores, nós devemos fazer rapidamente uma mudança na nossa legislação. Aliás, já estamos fazendo. A visita é muito mais para saber o que eles estão fazendo e nós podermos adaptar.