A vida da produtora rural Patrícia Vione tinha tudo para dar errado. A gaúcha, que hoje tem 28 anos, havia perdido as terras da família, teve de lutar por moradia em um assentamento e enfrentou toda forma de preconceitos por ser mulher em um meio dominado pela presença masculina. Não foi fácil, mas essa história começou a mudar.
Filha de agricultor, Patrícia nasceu em Horizontina (RS) e se mudou com sua família para São Gabriel, no mesmo estado, quando ela tinha apenas seis anos. Na época, eles perderam as terras e o dinheiro que tinham e, como consequência disso, ficaram em um sítio no município morando de aluguel.
Desempregada, com o pai recém-operado de hérnia e a irmã recém-nascida, Patrícia decidiu se instalar em um dos acampamentos que tinha na cidade. Era a alternativa que restava para conseguir obter um pedaço de terra.
A chegada ao acampamento não foi como esperado. As inscrições para o Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra), cujo cadastro é necessário para quem quer obter um espaço para moradia, estava desativado. “Eu achei uma pena porque era nossa chance de ter uma nova terra. Ficamos muito sentidos”, conta ela.
Assim como Patrícia, muitos agricultores de São Gabriel ficaram sem perspectiva de futuro com suas famílias. Eles decidiram se unir para sair do acampamento e pensar formas de alcançar o objetivo comum, mas abandonaram as ideias devido à dificuldade de conseguir terra sem o cadastro.
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Ela e sua família precisavam de muito apoio para seguir na luta. “A gente passou um tempo complicado. Vivíamos de aluguel, vendíamos coisinhas de horta, eu trabalhava em colheita de fumo, depois diarista. Um pouco aqui, um pouco ali. Vendíamos tudo o que podíamos”, diz. Mas os tempos difíceis estavam com os dias contados.
A virada na vida dela e da família começou em 2012, quando o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) liberou 20 lotes para os agricultores do município. Um membro de cada família deveria concorrer a um deles. E foi assim que Patrícia conseguiu seu primeiro espaço próprio para morar.
Com a terra conquistada, ela colocou a mão na massa, e as barracas e o galpão foram levantados com lona e tábuas. Instalaram-se no lugar e até levaram as vacas que tinham no sítio antigo para continuar a produção de queijo.
Mas nada é fácil na vida de Patrícia. Apesar de toda a ajuda que tiveram do Incra, que ela faz questão de agradecer imensamente, o apoio era insuficiente. As terras onde passaram a morar eram muito baixas e úmidas, o que fez com que o pasto sumisse aos poucos, e as vacas ficassem sem o que comer.
As terras trouxeram problemas também à irmã de Patrícia. A caçula dos Vione tinha que andar 1 km no sol ou na chuva todos os dias até o ponto de ônibus que a levava para a escola. Ela ficou 30 dias internada com pneumonia até que o médico recomendou que se mudassem de lá. O Incra ofereceu outro lote no mesmo assentamento, agora em um lugar mais alto e menos úmido. Em 20 dias, outro galpão estava lá, em pé.
Mesmo com a família instalada, Patrícia seguiu batalhando para melhorar as coisas. Foi cuidadora de idosos por seis meses. Com o que arrecadou, conseguiu dar entrada no trator que tem hoje e que comanda com excelência. Com a ajuda da máquina, as lavouras têm apresentado um resultado bem melhor que antes.
Para aumentar a produção, além do trator e da disposição para o trabalho, ela teve muito apoio de empresas e cooperativas que acreditaram em seu trabalho e no seu potencial de comandar as terras da família. E o sucesso local foi tão grande que ela virou destaque no município por cuidar tão bem da plantação. “Quando o assunto é lavoura, eu vou a campo, preparo solo, decido o passo a passo de tudo”, diz ela.
Donas do campo
Outra ajuda para que Patrícia solidificasse seu talento de agricultora competente veio das redes sociais. Foi numa delas que a produtora conheceu o Agricultoras, grupo do Facebook formado por mulheres do campo. Lá, elas compartilham suas vidas, trocam experiências sobre as lavouras, o dia a dia, dificuldades e tudo o que acontece em suas terras.
“Nós nos fortalecemos juntas”, diz ela, que encontrou no grupo a força de agricultoras que passam por situações similares àquelas enfrentadas pela produtora. Muitas delas são mulheres que tomam conta de uma terra inteira e de toda a plantação.
Segundo Patrícia, depois de uma foto dela ser postada na página, os moradores de São Gabriel levaram o seu trabalho a sério. “Eles se deram conta de que eu não estava brincando quando dizia que era agricultora. Agora o pessoal vem elogiar”, diz ela.
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A agricultora já passou por diversas situações preconceituosas por ser uma mulher comandando suas terras. Segundo ela, as pessoas não acreditavam que Vione trabalhava no campo, mas ela faz questão de se fazer ouvir e colocar sua voz nos lugares: “agora eu sempre dou minha opinião, assim as pessoas reconhecem que é o que eu gosto e que nasci para isso.”
A realidade de Patrícia é igual a de muitas brasileiras. Mulher, jovem, assentada e agricultora que teve diversos recomeços. Sua luta para se estabelecer e seguir seu sonho na lavoura já está ecoando por São Gabriel e pelas páginas do Facebook, inspirando e mobilizando outras mulheres do campo ao redor do país.
Hoje, Patrícia lida com as terras como ninguém. Planta soja, trigo e melancia, dirige um trator desde os 13 anos e reveza o trabalho com o pai. E foi ele quem a ensinou tudo sobre o campo e seus desafios.