Um dos principais problemas da agricultura moderna está relacionado ao uso de agroquímicos. E não estamos falando sobre a pressão popular contra o uso desta importante ferramenta, mas sim sobre o aumento da resistência de doenças e pragas aos defensivos agrícolas atuais e a perda de eficiência do controle. O curioso é que a solução para este problema, pode estar justamente em uma técnica bastante antiga: o uso do controle biológico.
Durante a Abertura Nacional da Colheita da Soja, que aconteceu em Jataí (GO), nesta quinta-feira, 23, o pesquisador da Embrapa Adeney Bueno destacou, em sua palestra, a importância desta alternativa e os ganhos que isso pode trazer em longo prazo, a exemplo de outras mudanças que transformaram a agricultura atual, como o plantio direto e o tratamento de sementes.
“O controle biológico é um fenômeno natural que consiste na regulação de plantas, animais e doenças, por agentes de mortalidade biótica. Isso é algo bastante antigo, lembrando que os chineses já usavam formigas, lá no passado, para controlar outras pragas”, conta Bueno.
Nos últimos anos, o aumento da resistência de pragas e doenças em relação aos defensivos atuais, tem feito com que esta alternativa voltasse a ganhar terreno nas lavouras brasileiras. Em 2019, por exemplo, o número de produtos biológicos lançados no país aumentou 126%, chegando a 231.
“Acredita-se que, no mundo, o crescimento deste setor está na ordem de 10% a 20% de por ano. No Brasil, em 2019, foram mais de R$ 500 milhões gastos com controle biológico. Para 2020 estima-se até R$ 800 milhões. Apesar desses montantes serem grandes eles não passam de 5% do mercado de agroquímicos, que no Brasil deve girar em torno de R$ 30 bilhões”, comenta Bueno.
Estudos mostram que, somente ao usar o Manejo Integrado de Pragas (MIP), o uso de agronômicos cairia quase 50%, isso sem perda de produtividade. Aliando o uso de biológicos, o produtor teria não só uma economia, mas também ajudaria a prolongar a vida útil dos agroquímicos.
“Hoje existe uma falsa percepção que não existe mais uma bala de prata, ou um remédio que se use e resolva todos os problemas nas lavouras e, até a própria indústria, está incentivando o uso do controle biológico, do MIP e do MID (Manejo Integrado de Doenças), pois já percebeu que o uso de uma única estratégia de controle, baseado em químicos, leva a resistência”, afirma Bueno.
O pesquisador ainda ressalta que um produto químico leva quase 18 anos e milhões de dólares para ser criado e lançado comercialmente. “Essa estratégia de manejo mais sustentável e menos agressivo, é vista no Brasil a partir de 2013, quando a helicoverpa armigera foi detectada e a indústria não possuía produtos para controlar a praga. As únicas ferramentas eram alguns baculovírus. Com isso, a agricultura percebeu ali que não era possível ficar reféns do uso de químicos. Por isso a busca por controle biológico tem crescido nos últimos anos”, diz.
Pressão da população
A pressão popular contra o uso de agroquímicos é um outro motivo para que os biológicos ganhem ainda mais espaço, afirma o pesquisador.
“Apesar de um pouco exageradas e distorcidas, essas campanhas populares têm gerado um impacto no mercado, pois influencia diretamente o consumidor, que agora está mais exigente, interessado nesse nicho de mercado, crescente, por produtos com menos ou nenhum uso de agroquímico”, comenta.
Bueno relembra que essa cobrança por uma mudança no manejo agrícola não acontece só no Brasil. “O mundo está mais rigoroso. Banindo agroquímicos mais antigos, gerando essa tendência pela sustentabilidade no campo. E isso aumenta a busca por estratégias não quimicas e o controle biológico atende essa demanda”, diz.
Trocar os químicos por biológicos?
O pesquisador destaca que, por enquanto, não há a intenção de substituir todos os químicos por biológicos, até pela falta de produtos no mercado.
“Esse mercado de biológicos vem crescendo, atraindo investidores. O potencial de crescimento ainda é muito grande, ainda mais se pensarmos na quantidade de químicos usados hoje. Mas existem muitos desafios e o primeiro é aumentar o portfólio de produtos biológicos. E para isso é preciso mais pesquisa”, comenta.
Para ele, o mais adequado é que os produtos biológicos sejam usados em rotação com os químicos, algo que a própria indústria recomenda, mas não descarta a possibilidade de esta alternativa substitua os químicos um dia.
“Em curto prazo isso não acontecerá. Mas em longo prazo tudo e possível. Na verdade é sempre importante ter várias opções e ter o químico na “manga” para uma emergência. O problema dos químicos é o uso abusivo devido sua s simplicidade de uso”, diz Bueno.
Preço é um limitante?
Segundo o pesquisador, quando se fala em preço é errado comparar os agroquímicos e os biológicos diretamente, sem avaliar os ganhos ambientais que a troca traria.
“É um mito que os biológicos devem ter o mesmo preço dos químicos. O químico tem custos ambientais que não são levados em consideração nesse valor final. Quanto custa a saúde e a segurança do aplicador? Quanto custa nosso meio ambiente? São exemplos de perguntas difíceis de responder”, comenta.
Bueno diz que o mercado também deveria pagar mais para o agricultor que usar os biológicos, já que a prática é mais sustentável, algo cobrado pelo lado consumidor.
“O que estou querendo dizer é que o biológico entrega alguns valores que não consideramos. Maior Segurança ao meio ambiente e ao consumidor, preservação do controle biológico natural e de outros insetos benéficos, como as abelhas por exemplo. O mercado deveria pagar mais pelo uso deste tipo de prática, algo que não acontece, mas se exige”, diz.
O produtor, vendo que não há um pagamento mais justo pelo uso de biológicos, faz o comparativo direto entre os produtos. Sendo assim os naturais não tem competitividade.
“O que tem acontecido até o momento é uma competição direta entre químicos e biológicos. Sendo assim, os biológicos comercializados não são competitivos. Sem muito uso, há também a chance de menos lançamentos no mercado de novos produtos e isso atrapalha e torna lento o avanço dos biológicos”, afirma Bueno.