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Tempo

Retrospectiva do clima: o que a meteorologia acertou em 2020

Este ano foi repleto de desafios climáticos para o produtor rural brasileiro: seca, frio intenso e mais estiagem; veja o que estava previsto

De todas as previsões do tempo feitas ao longo de 2020, a mais importante e que trouxe impactos generalizados para o agronegócio foi a projeção de La Niña. Já em fevereiro de 2020, a Somar Meteorologia e os principais institutos do Brasil e do mundo anunciavam que o fenômeno iria acontecer no segundo semestre deste ano. À época, estávamos em uma verão de neutralidade climática, mas a Somar Meteorologia já indicava 90% de probabilidade para um resfriamento do oceano e de 70 a 80% da configuração total de um La Niña.

O fato já fazia acender um alerta para os produtores do Sul do Brasil, em especial do Rio Grande do Sul, que já tinham enfrentado uma safra 2019/2020 com neutralidade climática e, mesmo assim, já tinham encontrado dificuldades por conta da irregularidade da chuva.

Enquanto o El Niño é sinônimo de safra cheia por conta das chuvas volumosas, o La Niña é o pior dos cenários para os produtores gaúchos. Com a confirmação do La Niña, o risco de estiagens aumentou na safra de verão 2020/2021 no Sul do Brasil, o que já está acontecendo desde meados de outubro. Por outro lado, o resfriamento das águas do oceano Pacífico, mesmo sem caracterizar La Niña, algo que só foi confirmado no início da primavera, em setembro, favoreceu as culturas de inverno este ano no Rio Grande do Sul , já que os riscos de excesso de chuva na hora da colheita do trigo, por exemplo, diminuíram drasticamente. A fruticultura também foi beneficiada com as temperaturas mais baixas que mantiveram a sacarose mais elevada nos frutos.

Outro efeito importante do La Niña previsto foi o atraso da chuva na primavera em importantes estados produtores de grãos do Sudeste e Centro-Oeste. Até chegou a chover pontualmente assim que a estação começou, no dia 22 de setembro, mas depois as pancadas falharam em importantes estados, como Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Minas Gerais. Muitas lavouras só voltaram a receber chuva entre o fim de outubro e o decorrer de novembro, atrasando o calendário agrícola e empurrando pra frente o milho segunda safra.

Muitos produtores de soja do Paraná comercializaram a lavoura de soja com o compromisso de colher em janeiro. Em setembro de 2020, apenas 1% da lavoura foi plantada no estado, contra os 4% do mesmo período do ano passado, entre 10 de setembro a 29 de setembro. Neste ano, boa parte do Paraná só recebeu 25 milímetros de chuva em setembro, sendo que a média seria 75 milímetros. Sem contar as áreas do Sudeste e Centro-Oeste, onde muitos produtores de soja não receberam nenhuma chuva significativa sequer para dar a largada ao plantio.

A estiagem vista em parte do Paraná e meio oeste catarinense também foi destaque com a quebra da primeira safra de milho. Aliás, no meio oeste de Santa Catarina, segundo dados hidrológicos do Epagri, a seca deste ano já se iguala à pior da história, registrada em 1957. O déficit hídrico já chega a mais de 700 milímetros em 2020.

Pelos dados do  Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), órgão oficial, no trimestre agosto-setembro-outubro de 2020, assim como em 2019, a chuva ficou bem abaixo da média e esta já é a seca mais severa desde que começaram a coletar os dados em 1961, pouco depois do Epagri, confirmando assim uma estiagem histórica.

Dados divulgados pela Agência Aeroespacial dos Estados Unidos (Nasa) indicaram que a esta estiagem foi a segunda maior enfrentada pela América do Sul neste século, perdendo apenas para os anos de 2015 e 2016. O cálculo é feito baseado na duração, extensão territorial e falta de volume de chuva mensurado pelos satélites GRACE e GRACE-FO.

Não é apenas no sul do Brasil e parte da região Norte que este cenário foi evidente. No Paraguai, Bolívia e norte da Argentina, o déficit hídrico dos últimos seis meses chega a 400 milímetros, segundo informações da Somar Meteorologia. Este longo período de estiagem ajudou na propagação de queimadas neste ano, além de prejudicar a instalação das lavouras.

Em relação às temperaturas, o frio intenso visto neste inverno foi um outro efeito do La Niña. Chamou a atenção os vários episódios de ondas de frio no Rio Grande do Sul e, principalmente, a onda de frio forte que ocorreu na semana do dia 20 de agosto, que trouxe temperaturas negativas e até registro de neve em várias cidades da região Sul do Brasil, inclusive no sul de Curitiba, onde não nevava desde 2013. Aliás, esse episódio de frio foi intenso a ponto de trazer friagem para os estados do Acre e Rondônia.

E o frio não parou com o início da primavera. Foram registradas geadas em outubro e até mesmo em novembro e estas ondas de frio mais tardias e atípicas são uma assinatura típica do fenômeno La Niña. Em pleno início de novembro, as temperaturas chegaram a -3 °C na serra catarinense e as geadas chegaram a atingir de forma pontual as lavouras de milho no Rio Grande do Sul.

Com a atmosfera mais fria do que o normal, a ocorrência de granizo também foi muito maior e tivemos diversos episódios de granizo pelo Brasil afora entre a primavera e o início do verão. Alguns episódios desfolharam lavouras de café no sul de Minas Gerais, prejudicaram as lavouras do Sul e tivemos ocorrência de granizo até em áreas que não são muito comuns no Nordeste.

Mas não foi só o frio que chamou a atenção. O ano de 2020 foi marcado por diversas adversidades climáticas como estiagens, temporais com granizo e também recordes de calor. Foi agora em novembro que tivemos a maior temperatura já registrada na história do Brasil: Nova Maringá, no centro-oeste de Mato Grosso, registrou 44,8°C no dia 4 de novembro, superando o recorde anterior de 44,7°C, registrado em Bom Jesus do Piauí, no dia 21 de novembro de 2005. “Não foi um ano fácil para ninguém, muito menos para quem depende do clima”, comenta Celso Oliveira, meteorologista da Somar.

Para o Matopiba, que deveria ser um ano de chuvas abundantes, por conta do La Niña, a situação também não foi fácil, já que não é apenas um oceano que define o comportamento do clima das regiões. Choveu bem perto do dia 22 de novembro em importantes áreas agrícolas do Nordeste, mas depois abriu-se uma janela de mais de 20 dias de tempo seco, prejudicando as lavouras recém-semeadas. Em muitas áreas, até mesmo em dezembro, o volume não foi o suficiente e nos resta esperar a umidade prevista para a segunda metade de janeiro de 2021.

“Normalmente o La Niña, resfriamento das águas do oceano Pacífico, desfavorece a chuva no Sul do Brasil, atrasa a chuva na primavera do Sudeste e Centro-Oeste e acaba ajudando no regime de chuva do Nordeste. Acontece que o oceano Atlântico também colabora com os sistemas meteorológicos no Nordeste e neste ano as áreas mais aquecidas se concentram no Atlântico Norte, longe da costa do Nordeste, trazendo falhas na chuva”, afirma o meteorologista.

Justamente por isso, por esta teleconexão de sistemas e oceanos é que a situação não anda tão favorável para a safra do Matopiba atualmente. Em algumas áreas, como é o caso de Barreiras (BA), voltou a chover agora no dia 21 de dezembro com bons volumes acumulados depois de mais de 25 dias sem chuva significativa. Com cinco episódios de chuva já se atingiu mais de 150 milímetros em dezembro, mas o produtor rural bem sabe que chuva mal distribuída não é o ideal para o bom desempenho das lavouras.

Segundo os especialistas, a previsibilidade de uma La Niña é bem mais assertiva do que a de um El Niño, o que resume boa parte dos acertos nas previsões meteorológicas deste ano . “O processo de resfriamento é bem mais consistente do que o aquecimento que acontece com uma maior inércia e não chega a ser tão abrangente, caracterizando El Niños clássicos, com grande parte do oceano aquecido e El Niños Modokis, quando apenas um trecho do Pacífico apresenta temperaturas acima do normal. El Niños tendem a ter um diagnóstico mais demorado e com áreas de aquecimento mais concentradas”, diz Paulo Etchichury, meteorologista da Somar.

De qualquer maneira, a tecnologia e a experiência dos profissionais das áreas de projeções climáticas somam a favor dos acertos. “Em um ano marcado pela pandemia do novo coronavírus, mesmo com todas as suas peculiaridades, a atmosfera me pareceu a coisa mais segura para se prever”, finaliza Etchichury.

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