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Nacional

Tragédia no litoral norte de SP não foi inesperada, diz professor da USP

Na visão de Pedro Luiz Cortês, situação que vitimou mais de 50 pessoas tinha condições de ser evitadas

O volume de chuva anômalo que atingiu o litoral norte de São Paulo no último fim de semana já deixou, até a última atualização, 65 vítimas, cerca de 30 desaparecidos e mais de 4 mil desalojados e/ou desabrigados. São Sebastião é o município mais atingido e o que concentra mais mortes.

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O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) já tinha emitido um alerta para chuvas fortes na sexta-feira (17) para o governo federal e a Casa Militar de São Paulo, responsável pela Defesa Civil.

“Não foi um evento classificado como inesperado e inusitado do ponto de vista de previsão” — Pedro Luiz Côrtes

Além disso, o Instituto Nacional de Meteorologia já tinha informado que chuvas intensas iam acontecer na quinta-feira (16) de fevereiro. “Esse evento não foi um evento classificado como inesperado e inusitado do ponto de vista de previsão; ele foi previsto com pelo menos 24 horas de antecedência”, diz Pedro Luiz Côrtes, professor titular da Escola de Comunicações e Artes e do Instituto de Energia e Ambiente, ambos da USP. Isso abre, em tese, uma janela de atuação.

Sobretudo, o professor diz que modelos meteorológicos já indicavam que haveria um volume de chuvas entre 200mm e 250mm, geralmente o que é esperado para um mês, em apenas 24 horas. Outros indicavam 400mm, muito além do normal para apenas um dia. Porém, o volume chegou a quase 700mm, o maior da história do País em apenas um dia, segundo dados do Cemaden.“Do ponto de vista histórico, não há nada similar registrado desde que os levantamentos começaram a ser feitos”, diz Côrtes.

De acordo com Côrtes, quando os modelos meteorológicos apresentam uma previsão tão excepcional quanto essa, é importante verificar se os outros modelos confirmam ou não a situação de emergência, assim como a qualidade da informação. Ele diz que todos indicavam uma situação crítica para o litoral, mesmo que o volume de chuvas variasse. Tudo isso torna mais crítico quando pensamos nas precárias estruturas de moradia encontradas naquela região.

O governador do Estado, Tarcísio de Freitas, fez o alerta para que turistas não viajem para o litoral norte, para que não sobrecarregue os atendimentos. A Defesa Civil já emitiu alerta para a continuidade das chuvas fortes na área nos próximos dias.

A população foi alertada?

tragédia - chuvas no litoral norte de São Paulo - Ubatuba - estado de calamidade pública
Danilo Vieira/Prefeitura de Ubatuba

O diretor do Cemaden, Osvaldo de Moraes, disse em entrevista que o órgão já tinha avisado a Defesa Civil e o governo do Estado de São Paulo a respeito da situação crítica por conta do volume de chuvas esperado para o litoral norte. Ou seja, a tragédia poderia ter sido evitada. O Cemaden, detectando o alerta, avisa a Defesa Civil dos Estados, que podem avisar a Defesa Civil dos municípios. Há a possibilidade de o Cemaden avisar diretamente os municípios monitorados. Sua função é monitorar áreas de risco.

A Defesa Civil, por sua vez, ao receber esse diagnóstico, pode mandar mensagens via SMS à população local para avisá-la da previsão de chuvas, alagamentos e deslizamentos. O grande problema, destacado por Côrtes, é que apenas pessoas cadastradas para o serviço recebem o SMS. No entanto, muitas pessoas nem sequer conhecem a existência desse serviço.

Porém, aqueles que receberam os SMS, não tiveram noção da gravidade do problema. Isso porque as mensagens são muito genéricas. A primeira mensagem enviada pela Defesa Civil, na sexta-feira(17), dizia: “Chuva isolada na região de Ubatuba. Tem condição para raios. Atinge áreas próximas. Busque abrigo”.

O conteúdo das mensagens é pensado para que a população não entre em pânico, porém, as deixa mal-informadas. Um alerta emitido na manhã de domingo (19), quando já havia pessoas desaparecidas e soterradas, dizia: “Chuva persistente no litoral norte. Tem vento e raios. Atinge cidades vizinhas. Em caso de inclinação diferente dos muros, saia do local”.

Outro problema é: mesmo informando as pessoas da gravidade do problema, para onde elas iriam? “O resultado que nós estamos colhendo inclui a falta de informação: se as pessoas fossem informadas, muita gente poderia evitar de ir ao litoral. Então, já diminuiria o fluxo de turistas no litoral e as pessoas que moram [no litoral] poderiam buscar, mesmo que por conta própria, que não seria o ideal, abrigo”, afirma o professor.

Em um cenário no qual as pessoas que moram ou estavam no litoral norte fossem devidamente alertadas, elas poderiam ter ido em busca de abrigo, ou, pelo menos, ficarem em estado de extremo alerta.

“O recebimento do SMS não tem que ser opcional, ele tem que ser mandatório. As companhias de telefonia têm que enviar uma mensagem precisa, informando ‘olha temos tal situação prognosticada para tal município’, e enviar para todas as pessoas que estejam naquela região”, diz Côrtes. Infelizmente, toda a tragédia foi piorada por conta de um deslocamento muito grande de turistas – que frequentam a região durante todo o ano – por conta do feriado de Carnaval. “Ficou muito evidente que a estrutura de comunicação para a população não funciona”, arremata ele.

Para o professor, “é fundamental que a Defesa Civil do Estado conte com a colaboração dos órgãos de imprensa, porque certamente eles emitiriam esse alerta”. Além do mais, outra solução seria por meio da atuação da Polícia Rodoviária Estadual de parar os carros, recomendando que as pessoas não fossem ao litoral.

Isso pode se repetir?

Foto: Canal Rural/reprodução

Há ainda previsão o início deste mês de março, mas não no mesmo volume que caiu no final de semana da tragédia. O sinal de alerta permanece, porém, já que se deve levar em consideração o solo encharcado e as áreas expostas. “Isso aumenta muito o potencial de dano causado por essa chuva”, diz o professor.

“O clima não se comporta mais como se comportava no século passado” — Pedro Luiz Côrtes

As chuvas intensas têm se tornado cada vez mais frequentes por conta das mudanças climáticas e podem voltar a ocorrer no litoral ou até mesmo na cidade de São Paulo. “O clima não se comporta mais como se comportava no século passado, quando o nível de previsibilidade geral era maior. Dificilmente nós vamos ter chuvas assim fora desse padrão”, explica.

Infelizmente, esses fenômenos extremos podem voltar a ocorrer. “É necessário que nós, como sociedade, tenhamos um olhar muito atento para cobrar dos políticos soluções que reduzam o nível de exposição da população em geral”, finaliza.

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